terça-feira, 27 de junho de 2017

A Noite dos Mortos-Vivos (1968) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
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Podemos começar afirmando que A Noite dos Mortos-Vivos (1968) envelheceu muito bem. Há quase 50 anos atrás, George A. Romero basicamente criou o subgênero que são os filmes de zumbi, ainda conseguindo abordar críticas pesadas contra a sociedade dos anos 60, uma sensação grotesca da perda de estabilidade social e uma porrada de características que se tornariam padrões de quase todos os filmes dessa temática. No título original Night of the Living Dead, o filme é o progenitor das tramas de “apocalipse zumbi”, subversivo em vários sentidos e influenciador do estereótipo moderno de zumbis na cultura popular. O principal atrativo não são banhos de sangue nem maquiagens mirabolantes, e sim a poderosa mensagem que vale até os dias atuais.

Nos anos 60, George Romero fundou a empresa de produção Image Ten, ao lado de seus amigos John Russo e Russell Streiner, após anos produzindo comerciais e pequenos filmes para a The Latent Image, companhia que eles mesmos haviam apresentado ao mundo. Juntos, eles levantaram aproximadamente US$140.000 de orçamento para produzir um filme de terror. Naquela época, os maiores ícones do horror eram produções clássicas da Universal, como Frankenstein, Drácula e Múmia; ainda não existiam filmes de slasher nem possessões demoníacas, e Romero tinha o campo aberto para idealizar um novo conceito nos filmes de horror. Deu muito certo, os filmes de zumbis são feitos até hoje, sempre seguindo o mesmo padrão e alcançando um patamar absurdo na cultura pop moderna. Foi um dos primeiros filmes a mostrar violência explicita na tela, e o primeiro a ter um protagonista afro-americano. Um dos envolvidos na fundação da Image Ten foi Karl Harman, que falou “Nós sabíamos que não conseguiríamos levantar dinheiro suficiente para fazermos um filme em igualdade com os clássicos de terror que havíamos crescido assistindo. O melhor que podíamos fazer era colocar nosso elenco em um lugar remoto e então levar o terror para visitá-los”.

Quando os roteiristas decidiram usar zumbis, eles pensaram qual seria o fator mais chocante que poderiam cometer contra os humanos, e resolveram optar pelo canibalismo. Entretanto, a palavra “zumbi” nunca é utilizada no filme. O termo mais comum usado para descrever os mortos-vivos é “essas/aquelas coisas”, principalmente por Cooper. Do mesmo jeito, o filme foi responsável por codificar padrões que são usados em quase todas as produções desse gênero, incluindo zumbis que comem carne humana e só podem ser mortos com disparos diretamente na cabeça. As gravações foram conduzidas em preto e branco, deixando o filme com estética de documentário. Esse é o primeiro capítulo da franquia que Romero iniciou, seguido por Despertar dos Mortos (1978), Dia dos Mortos (1985), Terra dos Mortos (2005), Diário dos Mortos (2007) e Ilha dos Mortos (2009), cada filme aborda uma etapa do apocalipse, e suas consequências trágicas na humanidade, sempre focando críticas sociais, consumismo desenfreado, elementos políticos e ultrajes militares.

A abertura nos campos.

Na trama, um grupo de sete pessoas se refugia em uma casa de campo afastada, após serem atacados por pessoas aparentando estado de “transe”. O mundo ainda está se pronunciando sobre uma suposta tragédia global, e acompanhamos as intrigas desesperada do grupo para tentar sobreviver em uma região rural e desconhecida. Primeiro conhecemos Barbara (Judith O’Dea), que é atacada com seu irmão Johnny (Russell Streiner) ao ir visitar o túmulo da mãe no cemitério. A cena é antológica em todos os sentidos, o primeiro zumbi é lendário; o casal de irmãos acredita estar vendo um mendigo velho andando pelo cemitério, porém são atacados inesperadamente. Barbara consegue fugir, e se refugia em uma fazenda próxima ao ser seguida pela criatura sanguinária. Lá, com o passar do filme, vamos ser apresentados aos outros personagens, Ben (Duane Jones) o protagonista negro com instinto de sobrevivência, Harry (Karl Hardman), sua esposa Helen (Marilyn Eastman) e filha de 11 anos Karen (Kyra Schon). Também temos o casal de jovens, Tom (Keith Wayne) e Judy (Judith Ridley). Juntos, eles se encontram em uma situação desconhecida, dependendo do instinto de sobrevivência para permanecerem vivos durante uma noite infernal e angustiante.

"They're coming to get you barbara..."

Sem dúvidas, o personagem mais interessante é Ben. O rapaz astuto não tem ideia do que está enfrentando, mas parece estar sempre um passo a frente das criaturas horríveis. Em primeiro lugar, ele pensa na segurança do grupo de estranhos, mas acaba se metendo em inúmeras discussões e intrigas, principalmente com Harry, o resmungão que só pensa em si mesmo. A filha de Harry e Helen, Karen, de apenas 11 anos, está doente por ter recebido um machucado no braço, quando estava fugindo dos zumbis com seus pais. Não preciso nem explicar o que acontece com a pequena garota em uma das cenas mais clássicas do longa, a mitologia envolvendo os zumbis é basicamente criada naquele momento. A premissa da “infecção e ressurreição” é um dos pontos mais criativos que Romero introduziu, deixando uma possibilidade imensa para futuros projetos.

Apesar de algumas atuações serem fracas, o elenco se destaca por conseguir entregar o drama que o filme exige. Os zumbis cercam a casinha durante a noite, e eles precisam arrumar um meio de ficarem unidos. A direção de Romero é crua e frenética nos momentos de tensão, com perspectiva acelerada e, por vezes, posicionada em algum ponto criativo para a época.

Simplesmente lindo.

O filme é conduzido como um alerta, com uma pegada de documentário histórico, principalmente nas cenas em que os personagens descobrem o que está acontecendo no mundo, ao encontrarem uma televisão na casa e assistirem o boletim de última hora. A humanidade se demonstra completamente perplexa com o acontecido, os jornais contam casos de canibalismo, epidemias descontroladas onde os mortos voltavam à vida para matar. Um funcionário do necrotério é entrevistado falando que um cadáver com os quatro membros decepados havia aberto os olhos e mexido o tronco. Mesmo com a histeria mundial jamais mostrada no filme, os jornais da televisão tratam tudo de uma forma profissional, como se estivessem encobrindo um grande evento da humanidade. Era tudo novidade, eles não sabiam como reagir. Comparando com o mundo mostrado em Dia dos Mortos (1985), percebemos que a sociedade não obteve nenhuma chance de se manter estruturada em um mundo apocalíptico. O inicio disso tudo é muito bem contato aqui, e sentimos o quanto ingênuos são os humanos.  A mídia não se refere a tudo como “ataques zumbis”, mas como “epidemias de assassinatos”.

Ben, o protagonista durão.

A maioria dos efeitos e maquiagens foram improvisados pela equipe. O sangue, por exemplo, era xarope de chocolate, já a carne humana era presunto assado. O filme tem um clima sombrio e desolado que assusta, o cenário rural afastado entrega a atmosfera necessária para sentirmos o aperto emocional dos personagens, excluídos do mundo exterior e com poucos recursos. Hoje em dia, essa situação pode parecer clichê e previsível, visto o tanto de produções com esse tema que foram lançadas nos últimos 50 anos. Sem contar que a geração acostumada com The Walking Dead e zumbis modernos podem até considerar o filme tosco, levando que a maioria não pensa “fora da caixa”, e desrespeita inutilmente o passado sangrento que Romero apresentou.

As cenas dos zumbis andando pelos campos noturnos é um reflexo da alienação humana acidental. A causa do apocalipse é total responsabilidade da NASA, que enviou uma sonda para Vênus. Quando o objeto estava voltando, carregado de radiação, o governo resolveu destruí-lo no espaço, e os pedaços acabaram caindo na nossa atmosfera, infestando o mundo de radiatividade espacial. É uma situação delicada e culposa, que não conseguiu se manter em sigilo, pois a mídia divulga todas as informações abertamente, alertando a população para o pior. É como uma poesia sendo recitada nas sombras da morte.

O bagulho é doido!

O final é provavelmente um dos mais pessimistas já vistos na Sétima Arte. Triste, inesperado e muito polêmico. Sinceramente, as críticas que publicamos são conversas abertas, com spoilers e revelações, mas me sinto culpado em revelar esse pequeno detalhe que muda completamente o rumo do que foi assistido. Na época, o final foi pesado o suficiente para o filme ser proibido e criticado em diversos lugares; não é um desfecho que transparece esperança, e sim uma tragédia que levanta questões até hoje em dia. O filme está disponível completo e legendado aqui no Portal Tartárico, recomendo que confiram para tirar suas próprias conclusões (clique aqui para assistir). Acredite, são poucos os filmes que apresentam desfechos tão chocantes e imprevisíveis como A Noite dos Mortos-Vivos. Normalmente os filmes de zumbi tem quase sempre um desfecho semelhante (envolvendo a catástrofe total), mas Romero foi além com sua obra prima, surpreendendo o telespectador.

Na realidade, não foi o primeiro filme de zumbi, como apresentado em Zumbi Branco (1932) e Epidemia de Zumbis (1966). Entretanto, Romero se destacou por apresentar o canibalismo como fator chave das criaturas, já as primeiras produções mostravam zumbis sendo reanimados por magia negra para servirem de escravos. É óbvio que a estrutura de Romero chocou o público e fez mais sucesso, alavancando uma imensidade de produções ao longo dos anos.

A tragédia na ponta de uma arma.

Em 1990, o mestre Tom Savini (um dos mais talentosos maquiadores do terror) dirigiu uma refilmagem de A Noite dos Mortos-Vivos, entregando um dos melhores remakes já feitos até então, mantendo exatamente a mesma história e ainda adicionando maquiagens cabulosas que nunca vão envelhecer. Também existe uma versão colorida do filme, pecando unicamente em retirar a essência sombria que a película carregava. Foi o início de uma lenda que dura até hoje, e continua sendo um dos filmes de zumbi mais interessantes para ser assistido. Portanto, George A. Romero ensinou que precisamos abraçar o futuro e, sem dúvidas, respeitar o passado.
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TRAILER DE 1968:
CURIOSIDADES:
1) Quando os zumbis estão comendo carne humana após a explosão do caminhão, eles na verdade estavam comendo presunto assado coberto com xarope de chocolate. Os cinegrafistas brincaram afirmando que os figurantes ficaram tão enojados, que a maquiagem de zumbi virou perca de tempo, levando em conta que eles terminaram a cena pálidos e enjoados naturalmente.

2) Em 1968, alguns críticos tentaram alertar para as pessoas ficarem longe do filme, afirmando que inspira o canibalismo.

3) Foi um dos últimos filmes da era Drive-In, aqueles cinemas ao céu aberto onde as pessoas estacionavam seus carros.

4) Nas primeiras versões do roteiro, Barbara era uma personagem forte, ágil e carismática. Entretanto, George Romero adorou Judith O'Dea como uma garota catatônica e aterrorizada, e mudaram o roteiro para se encaixar. Posteriormente, a ideia de Barbara ser forte e de grande presença foi usada em 1990, no remake dirigido por Tom Savini.

5) Embora a radiação de um satélite detonado seja teorizada para ser a causa do apocalipse, de acordo com os cineastas, a causa real nunca é determinada ou oficializada.

6) 200 figurantes foram conduzidos e preparados para ser as pessoas da cidade e os zumbis.


7) Foi um dos primeiros filmes escolhido para ser preservado pelo National Film Registry e Library of Congress.


8) De acordo com George Romero, nos comentários do Laserdisc e DVD, a impressão original e os materiais do filme já não existem mais. Segundo ele, todos foram destruídos em uma inundação que encheu o porão onde os materiais eram armazenados (que, por acaso, era o mesmo porão usado no filme).


9) A polícia de Pittsburgh (onde ocorreram as gravações) forneceu homens e equipamentos para a produção do filme.

CONTAGEM DE CORPOS (15):
Tom: morto acidentalmente na explosão do caminhão.
Judy: morta acidentalmente na explosão do caminhão.
Barbara: atacada por zumbis.
Helen Cooper (transformada em zumbi): morta por Ben.
Harry Cooper (transformado em zumbi): morto por Ben.
Karen Cooper: transformada em zumbi após ser atacada no braço.
OUTRAS MORTES:
Três zumbis mortos por Ben, dois ao lado da casa e um dentro.
Seis zumbis mortos pelos policiais da região.

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