AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
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Podemos começar afirmando que A Noite dos Mortos-Vivos (1968) envelheceu muito bem. Há quase 50 anos atrás, George A. Romero basicamente criou o subgênero que são os filmes de zumbi, ainda conseguindo abordar críticas pesadas contra a sociedade dos anos 60, uma sensação grotesca da perda de estabilidade social e uma porrada de características que se tornariam padrões de quase todos os filmes dessa temática. No título original Night of the Living Dead, o filme é o progenitor das tramas de “apocalipse zumbi”, subversivo em vários sentidos e influenciador do estereótipo moderno de zumbis na cultura popular. O principal atrativo não são banhos de sangue nem maquiagens mirabolantes, e sim a poderosa mensagem que vale até os dias atuais.
Podemos começar afirmando que A Noite dos Mortos-Vivos (1968) envelheceu muito bem. Há quase 50 anos atrás, George A. Romero basicamente criou o subgênero que são os filmes de zumbi, ainda conseguindo abordar críticas pesadas contra a sociedade dos anos 60, uma sensação grotesca da perda de estabilidade social e uma porrada de características que se tornariam padrões de quase todos os filmes dessa temática. No título original Night of the Living Dead, o filme é o progenitor das tramas de “apocalipse zumbi”, subversivo em vários sentidos e influenciador do estereótipo moderno de zumbis na cultura popular. O principal atrativo não são banhos de sangue nem maquiagens mirabolantes, e sim a poderosa mensagem que vale até os dias atuais.
Nos anos 60, George Romero fundou a
empresa de produção Image Ten, ao lado de seus amigos John Russo e Russell
Streiner, após anos produzindo comerciais e pequenos filmes para a The Latent
Image, companhia que eles mesmos haviam apresentado ao mundo. Juntos, eles
levantaram aproximadamente US$140.000 de orçamento para produzir um filme de
terror. Naquela época, os maiores ícones do horror eram produções clássicas da
Universal, como Frankenstein, Drácula e Múmia; ainda não existiam filmes de
slasher nem possessões demoníacas, e Romero tinha o campo aberto para idealizar
um novo conceito nos filmes de horror. Deu muito certo, os filmes de zumbis são
feitos até hoje, sempre seguindo o mesmo padrão e alcançando um patamar absurdo
na cultura pop moderna. Foi um dos primeiros filmes a mostrar violência explicita
na tela, e o primeiro a ter um protagonista afro-americano. Um dos envolvidos
na fundação da Image Ten foi Karl Harman, que falou “Nós sabíamos que não conseguiríamos
levantar dinheiro suficiente para fazermos um filme em igualdade com os
clássicos de terror que havíamos crescido assistindo. O melhor que podíamos fazer
era colocar nosso elenco em um lugar remoto e então levar o terror para
visitá-los”.
Quando os roteiristas decidiram usar
zumbis, eles pensaram qual seria o fator mais chocante que poderiam cometer contra os humanos, e resolveram optar pelo canibalismo. Entretanto, a palavra “zumbi”
nunca é utilizada no filme. O termo mais comum usado para descrever os
mortos-vivos é “essas/aquelas coisas”, principalmente por Cooper. Do mesmo
jeito, o filme foi responsável por codificar padrões que são usados em quase
todas as produções desse gênero, incluindo zumbis que comem carne humana e só
podem ser mortos com disparos diretamente na cabeça. As gravações foram
conduzidas em preto e branco, deixando o filme com estética de documentário.
Esse é o primeiro capítulo da franquia que Romero iniciou, seguido por Despertar
dos Mortos (1978), Dia dos Mortos (1985), Terra dos Mortos (2005), Diário dos
Mortos (2007) e Ilha dos Mortos (2009), cada filme aborda uma etapa do
apocalipse, e suas consequências trágicas na humanidade, sempre focando
críticas sociais, consumismo desenfreado, elementos políticos e ultrajes
militares.
A abertura nos campos.
Na trama, um grupo de sete pessoas se
refugia em uma casa de campo afastada, após serem atacados por pessoas
aparentando estado de “transe”. O mundo ainda está se pronunciando sobre uma suposta
tragédia global, e acompanhamos as intrigas desesperada do grupo para tentar
sobreviver em uma região rural e desconhecida. Primeiro conhecemos Barbara
(Judith O’Dea), que é atacada com seu irmão Johnny (Russell Streiner) ao ir
visitar o túmulo da mãe no cemitério. A cena é antológica em todos os sentidos,
o primeiro zumbi é lendário; o casal de irmãos acredita estar vendo um mendigo
velho andando pelo cemitério, porém são atacados inesperadamente. Barbara
consegue fugir, e se refugia em uma fazenda próxima ao ser seguida pela criatura
sanguinária. Lá, com o passar do filme, vamos ser apresentados aos outros
personagens, Ben (Duane Jones) o protagonista negro com instinto de sobrevivência,
Harry (Karl Hardman), sua esposa Helen (Marilyn Eastman) e filha de 11 anos
Karen (Kyra Schon). Também temos o casal de jovens, Tom (Keith Wayne) e Judy
(Judith Ridley). Juntos, eles se encontram em uma situação desconhecida,
dependendo do instinto de sobrevivência para permanecerem vivos durante uma
noite infernal e angustiante.
"They're coming to get you barbara..."
Sem dúvidas, o personagem mais interessante
é Ben. O rapaz astuto não tem ideia do que está enfrentando, mas parece estar
sempre um passo a frente das criaturas horríveis. Em primeiro lugar, ele pensa
na segurança do grupo de estranhos, mas acaba se metendo em inúmeras discussões
e intrigas, principalmente com Harry, o resmungão que só pensa em si mesmo. A
filha de Harry e Helen, Karen, de apenas 11 anos, está doente por ter recebido
um machucado no braço, quando estava fugindo dos zumbis com seus pais. Não
preciso nem explicar o que acontece com a pequena garota em uma das cenas mais
clássicas do longa, a mitologia envolvendo os zumbis é basicamente criada
naquele momento. A premissa da “infecção e ressurreição” é um dos pontos mais
criativos que Romero introduziu, deixando uma possibilidade imensa para futuros
projetos.
Apesar de algumas atuações serem
fracas, o elenco se destaca por conseguir entregar o drama que o filme exige. Os
zumbis cercam a casinha durante a noite, e eles precisam arrumar um meio de
ficarem unidos. A direção de Romero é crua e frenética nos momentos de tensão,
com perspectiva acelerada e, por vezes, posicionada em algum ponto criativo
para a época.
Simplesmente lindo.
O filme é conduzido como um alerta,
com uma pegada de documentário histórico, principalmente nas cenas em que os
personagens descobrem o que está acontecendo no mundo, ao encontrarem uma
televisão na casa e assistirem o boletim de última hora. A humanidade se
demonstra completamente perplexa com o acontecido, os jornais contam casos de canibalismo,
epidemias descontroladas onde os mortos voltavam à vida para matar. Um
funcionário do necrotério é entrevistado falando que um cadáver com os quatro
membros decepados havia aberto os olhos e mexido o tronco. Mesmo com a histeria
mundial jamais mostrada no filme, os jornais da televisão tratam tudo de uma
forma profissional, como se estivessem encobrindo um grande evento da
humanidade. Era tudo novidade, eles não sabiam como reagir. Comparando com o
mundo mostrado em Dia dos Mortos (1985), percebemos que a sociedade não obteve
nenhuma chance de se manter estruturada em um mundo apocalíptico. O inicio
disso tudo é muito bem contato aqui, e sentimos o quanto ingênuos são os
humanos. A mídia não se refere a tudo
como “ataques zumbis”, mas como “epidemias de assassinatos”.
Ben, o protagonista durão.
A maioria dos efeitos e maquiagens foram
improvisados pela equipe. O sangue, por exemplo, era xarope de chocolate, já a
carne humana era presunto assado. O filme tem um clima sombrio e desolado que
assusta, o cenário rural afastado entrega a atmosfera necessária para sentirmos
o aperto emocional dos personagens, excluídos do mundo exterior e com poucos
recursos. Hoje em dia, essa situação pode parecer clichê e previsível, visto o
tanto de produções com esse tema que foram lançadas nos últimos 50 anos. Sem
contar que a geração acostumada com The Walking Dead e zumbis modernos podem
até considerar o filme tosco, levando que a maioria não pensa “fora da caixa”, e
desrespeita inutilmente o passado sangrento que Romero apresentou.
As cenas dos zumbis andando pelos
campos noturnos é um reflexo da alienação humana acidental. A causa do
apocalipse é total responsabilidade da NASA, que enviou uma sonda para Vênus.
Quando o objeto estava voltando, carregado de radiação, o governo resolveu destruí-lo
no espaço, e os pedaços acabaram caindo na nossa atmosfera, infestando o mundo
de radiatividade espacial. É uma situação delicada e culposa, que não conseguiu
se manter em sigilo, pois a mídia divulga todas as informações abertamente,
alertando a população para o pior. É como uma poesia sendo recitada nas sombras da morte.
O bagulho é doido!
O final é provavelmente um dos mais
pessimistas já vistos na Sétima Arte. Triste, inesperado e muito polêmico. Sinceramente,
as críticas que publicamos são conversas abertas, com spoilers e revelações,
mas me sinto culpado em revelar esse pequeno detalhe que muda completamente o
rumo do que foi assistido. Na época, o final foi pesado o suficiente para o
filme ser proibido e criticado em diversos lugares; não é um desfecho que
transparece esperança, e sim uma tragédia que levanta questões até hoje em dia.
O filme está disponível completo e legendado aqui no Portal Tartárico,
recomendo que confiram para tirar suas próprias conclusões (clique aqui para assistir). Acredite, são poucos os filmes que apresentam desfechos tão
chocantes e imprevisíveis como A Noite dos Mortos-Vivos. Normalmente os filmes
de zumbi tem quase sempre um desfecho semelhante (envolvendo a catástrofe
total), mas Romero foi além com sua obra prima, surpreendendo o telespectador.
Na realidade, não foi o primeiro
filme de zumbi, como apresentado em Zumbi Branco (1932) e Epidemia de Zumbis (1966).
Entretanto, Romero se destacou por apresentar o canibalismo como fator chave
das criaturas, já as primeiras produções mostravam zumbis sendo reanimados por magia
negra para servirem de escravos. É óbvio que a estrutura de Romero chocou o
público e fez mais sucesso, alavancando uma imensidade de produções ao longo
dos anos.
A tragédia na ponta de uma arma.
Em 1990, o mestre Tom Savini (um dos mais
talentosos maquiadores do terror) dirigiu uma refilmagem de A Noite dos
Mortos-Vivos, entregando um dos melhores remakes já feitos até então, mantendo
exatamente a mesma história e ainda adicionando maquiagens cabulosas que nunca
vão envelhecer. Também existe uma versão colorida do filme, pecando unicamente
em retirar a essência sombria que a película carregava. Foi o início de uma lenda
que dura até hoje, e continua sendo um dos filmes de zumbi mais interessantes
para ser assistido. Portanto, George A. Romero ensinou que precisamos abraçar o futuro e, sem dúvidas,
respeitar o passado.
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TRAILER DE 1968:
CURIOSIDADES:
1) Quando os zumbis estão comendo carne humana após a explosão do caminhão, eles na verdade estavam comendo presunto assado coberto com xarope de chocolate. Os cinegrafistas brincaram afirmando que os figurantes ficaram tão enojados, que a maquiagem de zumbi virou perca de tempo, levando em conta que eles terminaram a cena pálidos e enjoados naturalmente.
2) Em 1968, alguns críticos tentaram alertar para as pessoas ficarem longe do filme, afirmando que inspira o canibalismo.
3) Foi um dos últimos filmes da era Drive-In, aqueles cinemas ao céu aberto onde as pessoas estacionavam seus carros.
4) Nas primeiras versões do roteiro, Barbara era uma personagem forte, ágil e carismática. Entretanto, George Romero adorou Judith O'Dea como uma garota catatônica e aterrorizada, e mudaram o roteiro para se encaixar. Posteriormente, a ideia de Barbara ser forte e de grande presença foi usada em 1990, no remake dirigido por Tom Savini.
5) Embora a radiação de um satélite detonado seja teorizada para ser a causa do apocalipse, de acordo com os cineastas, a causa real nunca é determinada ou oficializada.
6) 200 figurantes foram conduzidos e preparados para ser as pessoas da cidade e os zumbis.
7) Foi um dos primeiros filmes escolhido para ser preservado pelo National Film Registry e Library of Congress.
8) De acordo com George Romero, nos comentários do Laserdisc e DVD, a impressão original e os materiais do filme já não existem mais. Segundo ele, todos foram destruídos em uma inundação que encheu o porão onde os materiais eram armazenados (que, por acaso, era o mesmo porão usado no filme).
9) A polícia de Pittsburgh (onde ocorreram as gravações) forneceu homens e equipamentos para a produção do filme.
6) 200 figurantes foram conduzidos e preparados para ser as pessoas da cidade e os zumbis.
7) Foi um dos primeiros filmes escolhido para ser preservado pelo National Film Registry e Library of Congress.
8) De acordo com George Romero, nos comentários do Laserdisc e DVD, a impressão original e os materiais do filme já não existem mais. Segundo ele, todos foram destruídos em uma inundação que encheu o porão onde os materiais eram armazenados (que, por acaso, era o mesmo porão usado no filme).
9) A polícia de Pittsburgh (onde ocorreram as gravações) forneceu homens e equipamentos para a produção do filme.
CONTAGEM DE CORPOS (15):
Tom: morto acidentalmente na explosão do caminhão.
Judy: morta acidentalmente na explosão do caminhão.
Barbara: atacada por zumbis.
Helen Cooper (transformada em zumbi): morta por Ben.
Harry Cooper (transformado em zumbi): morto por Ben.
Karen Cooper: transformada em zumbi após ser atacada no braço.
OUTRAS MORTES:
Três zumbis mortos por Ben, dois ao lado da casa e um dentro.
Seis zumbis mortos pelos policiais da região.
Judy: morta acidentalmente na explosão do caminhão.
Barbara: atacada por zumbis.
Helen Cooper (transformada em zumbi): morta por Ben.
Harry Cooper (transformado em zumbi): morto por Ben.
Karen Cooper: transformada em zumbi após ser atacada no braço.
OUTRAS MORTES:
Três zumbis mortos por Ben, dois ao lado da casa e um dentro.
Seis zumbis mortos pelos policiais da região.