segunda-feira, 26 de junho de 2017

Eaten Alive (1976) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
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No final da gloriosa década de 70, o cinema do horror já estava basicamente estabelecido com suas produções mirabolantes que não paravam de surgir com cada vez mais fôlego (quem diria nos anos 80 e 90 então, onde o gênero seria forçado ao extremo). Essa breve época marcou por apresentar histórias extremamente simples e perturbadoras, que sempre vão funcionar para os que procuram se chocar com fatos “realistas”: como no caso de Quadrilha de Sádicos (1976) e Halloween (1978), que chocavam os telespectadores com muito suspense e tensão. Na época que o cinema estava sendo arrebentado pelo sucesso de Star Wars (1977), sobrava espaço para produções um tanto quanto bizarras, como O Assassino da Furadeira (1979) e algumas outras curiosas, diria talvez Drive in Massacre e The Town That Dreaded Sundown, ambas lançadas em 1976. Mas na crítica de hoje, vamos conversar sobre um clássico ofuscado por produções maiores, mas ainda assim, tendo capacidade o suficiente de manter um grande poder nostálgico.


Eaten Alive é dirigido por ninguém menos que Tobe Hooper, e por sorte o diretor estava em fase inspiradora nessa época, tendo acabado de produzir O Massacre da Serra Elétrica em 1974, talvez sua obra mais perturbada. Bem diferente do que veríamos na década seguinte, onde depois de trabalhar com Steven Spielberg em Poltergeist – O Fenômeno, o diretor explícito começou a “perder a mão” no que sabia fazer tão bem. Inclusive, reza a lenda que ele seja um dos responsáveis pelo falimento da lendária Cannon Films, depois de uma parceria que só rendeu produções “sequeladas” (incluindo O Massacre da Serra Elétrica 2, em 1986), tudo isso no auge das fitas VHS (a verdadeira fonte de retorno da Cannon na época, porque estavam fracassando nas bilheterias). De um jeito ou de outro, em 1976, Tobe Hooper nos trouxe mais uma pérola medonha e cruel, que não poderia combinar melhor com o realismo da década de 70.

Para quem ainda não ouviu falar, Eaten Alive (ou Devorado Vivo, como ficou conhecido em território nacional, apesar de nunca ter sido lançado por aqui) é um longa que conta a macabra história do psicótico Judd (Neville Brand), um caipira dono de um velho hotel na beira da estrada Texana rural, cenário que já era costume nos filmes de Hooper. Acontece que Judd massacra todos os hospedes que passam pelo local e alimenta seu enorme crocodilo de estimação com os restos mortais das vitimas, uma criatura assustadora que vive nos pântanos ao lado da construção. Como disse, é uma história simples e medronha, que foi transformada em trama assustadora recheada com um elenco conhecido no gênero do terror.

Tobe Hooper mantendo sua herança sangrenta.

Gostaria de destacar alguns fatores em primeiro lugar: nesse filme temos a ótima presença de Marilyn Burns, conhecida por ser uma das scream queens mais estarrecedoras do terror, e marcada por trabalhar com Hooper em O Massacre da Serra Elétrica dois anos antes, na pele da sofrida Sally Hardersty. Marilyn Burns consegue ter o mesmo drama sádico vivido em seu último projeto, sendo novamente uma lendária final girl; por falar nisso, pela curta distancia entre as duas produções, sua atuação continua basicamente idêntica, e realmente parecemos acompanhar Sally em outra situação desesperadora (rsrs). Inclusive os gritos lembram muito, porque como muitos devem se lembrar, ela GRITA MUITO e quase o filme todo... Mais uma vez!

Curiosamente, também temos o eterno Robert Englund no elenco, que futuramente se tornaria um dos seriais killers mais icônicos da humanidade, ninguém menos que Freddy Krueger da franquia A Hora do Pesadelo. Aqui temos Englund do seu melhor jeito: magrelo, machista e relaxado, cheio de caras e bocas. E é com ele que o filme começa, interpretando o caipira Buck, um homem ranzinza que adora passar suas noitadas em um velho puteiro da estrada rural. Os cenários lembram muito o de filmes pornôs da década, principalmente nesse começo.

Judd, o frustrado sexual.

Lá também conhecemos uma prostituta chamada Clara Wood (Roberta Collins) que está desesperadamente tentando abandonar essa vida suja, recusando uma transa forçada com Buck. O que acontece? Buck fica muito puto e consegue mais duas garotas de programa (com grande facilidade), já nossa “prostituta consciente” é mandada embora pela sua patroa charlatona, a cafetona velha conhecida com Miss Hattie (Carolyn Jones). É interessante como o filme não perde muito tempo para começar o drama, porque alguns momentos mais tarde Clara vai embora do local e adivinha onde acaba chegando? Isso mesmo, no bizarro hotelzinho de estrada que fica ao lado do enorme pântano cercado. O local tem uma varanda de entrada que, provavelmente, todos que assistem ao filme se lembram dela, pois é no local que acontecerá algumas cenas angustiantes. Logo conhecemos Judd, o dono do Hotel Starlight que consegue ser estranho na primeira vista, com suas roupas rurais e atitudes completamente suspeitas. Já sabemos que Clara vai se dar muito mal, porque o macabro homem não desgruda os olhos de seu decote durante a hospedagem. Sempre relacionei a aparência de Judd com Jord Verril, protagonista do segundo curta-metragem da obra Creepshow (1982), na projeção conhecida como A Solitária Morte de Jord Verril. Resumindo: ele é extremamente parecido com o escritor e ator Stephen King.

Noitadas com Robert Englund.

Desde as primeiras cenas, Judd prova ser um psicopata incontrolável. O abuso e ataque contra Clara é impactante, com muitos berros, drama e caras e bocas. Tobe Hooper não brinca em trabalho, sua direção densa deixa a sequência sufocante, sem alternativas de saída. Quando Clara é golpeada inúmeras vezes com um tridente enferrujado, os rugidos agudos da trilha sonora surgem para perturbar a montagem rusticamente. É icônico de Hooper esse tipo de prática. O sangue vermelho forte (típico do terror na década de setenta) é prazeroso como sempre foi. Judd gosta de ver suas vitimas agonizando, ele se concentra individualmente para observá-la sofrer nos últimos suspiros, sempre carregando uma expressão de “por que eu fiz isso?”, mas com um pequeno sorriso crispado no rosto. Logo o gigantesco crocodilo africano é presenteado com o corpo da moça, um modo totalmente sossegado para se livrar de um corpo. Judd não se preocupa em matar, pois o gigantesco crocodilo africano esconde as evidências.

Marilyn Burns entra logo em seguida, interpretando Faye, uma mulher sobrecarregada que possui um relacionamento conturbado com Roy (William Finley, Pague Para Entrar, Reze Para Sair), um doido resmungão. O casal está passando pela região e acaba parando no hotel de Judd, acompanhados da filha bem pequena Angie (Kyle Richards, que em 1978 atuou em Halloween), e o cachorrinho Snoopy. É curioso ver que Burns usa uma peruca channel no começo do filme, mas posteriormente revela sua verdadeira identidade. Logo que chegam ao local, o cachorrinho é devorado pelo crocodilo após ir xeretar no pântano, e a pequena Angie fica histérica, despertando antigas intrigas no casal. Revoltado com a perca do cachorro, Roy decide se livrar do crocodilo com uma escopeta, mas é brutalmente atacado por Jodd, que passa a estripar suas vítimas com uma foice enorme. Faye é atacada quando vai tomar banho, e a garotinha Angie tenta fugir e acaba ficando presa embaixo da estrutura do estabelecimento, um píer subterrâneo que tem acesso ao pântano.

Linda maneira de se morrer.

Por tratar do assunto prostituição, temos peitos e bundas femininas quase o filme inteiro, ainda mais sendo um slasher oitentista. Como já mencionado, a trilha sonora é composta por rugidos e arranhados incômodos, mas também temos canções rurais típicas do interior norte-americano e muita música country. A história foi levemente inspirada em Joe Ball (conhecido também como Alligator Man e Açougueiro de Elmendorf), um serial killer do Texas que supostamente matou 20 mulheres e descartou seus restos mortais como alimento para seu crocodilo durante a década de trinta. O enredo foi adaptado pelo mesmo roteirista de O Massacre da Serra Elétrica.

Marilyn Burns passa quase o filme inteiro sofrendo, amordaçada e amarrada em uma cama. Por algum motivo, Judd não resolve matá-la de imediato, e faz da mulher uma refém, possivelmente para abusá-la sexualmente depois. Existem cenas provando que Judd sempre se ferrou no amor, pois recebia humilhações de todos na região, até mesmo das prostitutas, então ele fez questão de manter uma vítima presa para realizar seus desejos doentios. Ao longo do filme, várias pessoas passam pelo Hotel Starlight, incluindo Harvey Wood (Mel Ferrer) e sua filha, Libby (Crystin Sinclaire), procurando informações de Clara (a prostituta desaparecida do começo do filme), que na verdade é uma filha fugitiva de Harvey. Eles ficam pouco tempo no hotel, pois Judd nega que tenha visto a garota. Na companhia do xerife casca grossa Martin (Stuart Whitman), Harvey e Libby também procuram informações com Miss Hattie, a cafetona velha que comanda o puteiro da região, mas ela mente falando não conhecer Clara. Pode parecer somente uma coincidência de detalhes, mas o esqueleto do filme é extremamente parecido com Psicose (1960), só que sem o suspense de Hitchcock e com uma pegada mais rústica e barulhenta.

Marilyn Burns nos anos 70, linda e azarada.

Apesar de o filme ter drama desde o início, o ritmo é meio diferenciado dos outros projetos lançados naquela época, se tornando maçante em alguns momentos. A estética é escura e repleta de luzes coloridas, principalmente o vermelho, cor que predomina diante do hotelzinho de Judd. Em certo ponto, Harvey retorna para o hotel pantanoso sozinho, pois Libby resolveu sair para jantar e tomar alguns drinks com o xerife. Tudo sai do controle quando Harvey descobre que Faye está sendo torturada em um dos quartos, e acaba sendo atacado por Judd com a foice gigante, na morte mais dolorosa do filme. A ferramenta é cravada em seu pescoço, o fazendo agonizar por um bom tempo antes de ser devorado pelo crocodilo. É lindo.

Falando do crocodilo, ele tem bastante presença no filme, mas aparece bem pouco durante os 91 minutos de projeção, assim como Spielberg idealizou em Tubarão (1975), mantendo um alto nível de suspense. A criatura nunca sai do pântano, apenas em dois momentos do filme, e vive dando “botes” nas vítimas, provocando alguns sustos que funcionam. É um animal enorme e silencioso, suas aparições ficaram marcadas principalmente durante a morte do caipira Buck, que é empurrado no pântano e acaba sendo devorado vivo. Levando em conta as limitações da época e baixo orçamento, o crocodilo é muito bem feito, com movimentos fluidos e uma boa mecânica, sempre camuflado pela fumaça ambiente e a montagem do filme. Na realidade, não se trata diretamente de uma história baseada em um animal assassino, assim como Pânico no Lago (1999), em Eaten Alive, Hooper explora novamente a insanidade humana, mostrando um homem atormentado que, provavelmente, usa o crocodilo como mero pretexto para provocar suas chacinas despercebidas. Lembrando que Hooper acabou fazendo outro longa sobre uma criatura gigante anos depois, em 2000, no filme intitulado Crocodilo.

Sally é você?! rsrs

Após assistir o filme algumas vezes, puder perceber uma motivação nos assassinatos que Jodd provoca. Ele sabe que o crocodilo gigante age por puro instinto, e pode atacá-lo a qualquer momento, por isso decide alimentar o animar com as pessoas que ficam hospedadas no hotelzinho de vez em quando. É uma alternativa para manter a criatura alimentada, evitando ser devorado inesperadamente. Em certo ponto, Jodd até acha que o animal ataca por sentir ciúmes do dono. Ele sente medo do crocodilo, mas parece não ser capaz de abandoná-lo.

Enquanto tudo acontece, o caipira Buck interpretado por Englund é expulso do bar com uma gostosona (vivida por Janus Blythe, a Ruby de Quadrilha de Sádicos), e os dois vão infernizar Judd no hotelzinho. Mesmo sendo relaxado e bagunçado, Buck é corajoso e resolve tomar uma atitude quando ouve gemidos vindos debaixo do hotel, mas acaba sendo empurrado dentro do pântano inesperadamente. A gostosona que estava com ele consegue fugir, e não demora muito para Libby chegar ao local e descobrir o que estava acontecendo. Ao tentar deter a mulher e matar a pequena Angie, Judd acaba caindo dentro do pântano, e tem sua cabeça destruída pelo animal de estimação, em uma bela cena.

Assim como O Massacre da Serra Elétrica, o final é bem rápido e ausente de informações, ao acompanharmos o xerife Martin chegando ao local e resgatando as garotas. O único vestígio restante de Judd é sua perna de madeira que, ironicamente, havia sido desmembrada pelo crocodilo alguns anos atrás. Gostaria de saber o que aconteceu em seguida... O xerife tentou matar o crocodilo? Ou ele continuou aterrorizando e mutilando suas vítimas? Pois como dizia Judd, esse tipo de criatura não morre pela natureza, pelo tempo... Alguém precisa ter coragem o suficiente para matá-lo. Eaten Alive (1976) pode ter influenciado uma avalanche de filmes com crocodilos gigantes, mas ele continua no topo, por mostrar que o ser humano pode ter um instinto tão sangrento quanto o animal selvagem.
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TRAILER DE 1976:
CURIOSIDADES:
1) O maquiador Craig Reardon afirmou que Robert Caramico dirigiu várias cenas devido as diferenças criativas entre Tobe Hooper e o resto da produção.

2) Exitem teorias (não oficiais) sobre uma relação entre O Massacre da Serra Elétrica (1974) e esse filme, envolvendo as presenças de Marilyn Burns e Tobe Hooper.

CONTAGEM DE CORPOS (6):
Assassino Judd:
Ex-prostituta: recebe inúmeros golpes de foice e é servida de alimento para o crocodilo.
Roy: golpeado com foice e abocanhado pelo crocodilo.
Harvey: foice cravada no pescoço, devorado pelo crocodilo.
Buck: empurrado no pântano e devorado vivo.
OUTRAS MORTES:
Macaco do hotel: causa desconhecida.
Cachorrinho Snoopy: devorado pelo crocodilo.
Judd: cabeça arrebentada ao ser abocanhado.

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