AVISO
DE PERIGO: essa
crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por
risco próprio.
________________________________________________
Evil Dead é um dos melhores filmes de
terror já feito. Em tempos passados, o diretor Sam Raimi colocou em prática a
avalanche de violência explícita, tripas expostas e muito, MUITO sangue.
VERDADEIRO FILMÃO DA PORRA. Uma experiência que ultrapassa medo e fantasia,
continuando o legado mesmo com o baixo orçamento e inúmeras limitações da
época. Não é um filme qualquer. Sam Raimi conseguiu transformar em realidade o
sonho de qualquer cineasta amador de horror. A produção deu tão certo, que
lançou o diretor ao mundo do cinema e começou uma trilogia que se manteve por
mais 11 anos (isso sem contar o reboot que rolou em 2013, resgatando a franquia
para uma nova geração). Atualmente, Evil Dead é essencial para qualquer fã de
horror, principalmente os pesados, envolvendo possessões demoníacas, ritos de
passagem e o maravilhoso gore que perturba e agrada em uma combinação jamais
presenciada novamente. É uma experiência perfeita para as noites tenebrosas, para as madrugadas de silêncio, ainda mais se você estiver bêbado ou chapado de fumaça. Medo e delírio?
Risadas? É muito mais que isso.
Diferente dos próximos filmes (que abordaram
o humor negro), o primeiro capítulo da franquia é perturbado em todos os
sentidos. Em nosso território nacional rolou uma famigerada confusão com os
títulos dos filmes: tem gente que se refere como Evil Dead 1, outras chamam de
Uma Noite Alucinante, mas o nome oficial utilizado por aqui foi A Morte do
Demônio, que apesar de bastante nostálgico, acabou saindo da premissa que será
mostrada em tela. Já o segundo filme foi automaticamente batizado de Uma Noite
Alucinante por aqui (ao invés de Evil Dead 2), confundindo o público desde
1987. A fita VHS é provavelmente o item mais raro para se encontrar
nacionalmente, e um desejo de qualquer colecionador do horror. Facilmente encontrada
por, no mínimo, 400 reais. Se você tem a oportunidade de assistir os 85 minutos
de projeção em um formato desses, pode se considerar um sortudo nato. Não se
trata apenas de um filme amador, e sim uma experiência surreal que iniciou uma
avalanche sangrenta. Bruce Campbell começa destacar sua carreira aqui, se
eternizando no papel de Ashley Williams.
Para conseguir o dinheiro necessário,
Sam Raimi dirigiu Within the Woods em 1978, um curta metragem extremamente
amador e repleto com situações que seriam exploradas com maior profundidade em
Evil Dead. O curta tem a presença de Bruce Campbell e se tornou ouro puro para
qualquer fã do horror. Quem tiver curiosidade, o Portal Tartárico analisou e disponibilizou
o curta para ser assistido aqui mesmo no blog, completo e legendado (clique aqui para conferir). Vale muito a pena, é um clássico amador.
"We're gonna get you..."
Seguindo a premissa desse tipo de
produção, o enredo é muito simples. Cinco amigos estão passeando pelas
montanhas e se hospedam em uma velha cabana na floresta. O elenco é composto
por Ashley (Bruce Campbell), sua namorada Linda (Betsy Baker) e sua irmã Cheryl
(Ellen Sandweiss), também temos o casal brincalhão Scott (Hal Delrich) e Shelly
(Sarah York). Nessa cabana, eles acabam encontrando um livro denominado como
Necronomicon, o Livro dos Mortos, encadernado em pele humana e escrito com
sangue. Junto do livro, uma fita cassete foi deixada pelo antigo morador da
cabana, um arqueólogo que explorava as tumbas de Kandar. Ao reproduzir essa
fita em um gravador, o grupo acaba ouvindo um relado do arqueólogo, afirmando
que, com o livro, ele involuntariamente liberou forças diabólicas que tinham a
capacidade de se apossar dos vivos. O livro continha passagens cabalísticas de
rituais de sepultamento e feitiços funerários, que quando recitados em voz alta,
tinham o poder de ressuscitar os mortos. Acidentalmente, a fita acaba recitando
um encantamento, descrito como:
"Tatra amistrobin
azarta, tatis manor manziz hounaz, ansobar saman darobza dahir saika danz
deroza, kandar, kandar, kandar."
Era o começo do fim. Sem querer, as
forças malignas que vagam pela floresta acabam sendo liberadas para destruir os
vivos. Essa cena é uma das mais lindas que já presenciei no gênero. Acho
sensacional a dinâmica usada para conduzir a montagem do renascimento; a inocência
dos jovens sendo dominada pelas palavras frias da narração do arqueólogo, o mal
nascendo diretamente da natureza, nas sombras da floresta escura. O clima
funciona e continua me surpreendendo até hoje em dia. Aos poucos, todos os
jovens vão sendo possuídos pelos mortos e se tornando criaturas abomináveis,
sedentas por sangue. No final sobra somente Ash, o herói hesitante, para
destruí-los e lutar pela vida. Aliás, não me responsabilizo por quem recitar as
palavras acima em voz alta, faça isso por conta e risco próprio rsrs.
A última refeição.
O filme foi literalmente gravado em
uma cabana abandonada nas montanhas, isso agrega um realismo essencial. Se
imagine em um lugar desses, altas horas da madrugada, com apenas uma câmera na
mão. É essa sensação que o filme transcende, sempre com tomadas improvisadas e
criativas, deixando tudo com uma pitada rural de documentário. A cena em que os
jovens chegam de carro na cabana é mostrada em tempo real, com a perspectiva
posicionada atrás do automóvel, sem cortes. Dessa maneira o telespectador
consegue acompanhar e reparar no cenário ao redor, sem muito esforço e com
bastante interesse. Na prática, esse tipo de direção sempre funcionou com
filmes de terror; câmeras subjetivas e externas sombrias eram obrigatórias
naquela época.
Linda e Ash... O amor trágico jamais foi o mesmo.
Após o ritual demoníaco virar
realidade, um por um, todos os jovens são possuídos e deixam sua essência desaparecer.
Cheryl acaba sendo atacada e estuprada pelas árvores da floresta, em uma cena
grotesca e extremamente barulhenta. Os gritos da mulher parecem gemidos de pornô
(KKKKKKKKK), e provavelmente ela é a personagem que mais sofre na trama, porque
além de ser possuída, ainda é trancafiada em um porão pelos seus amigos
desesperados, e passa a maior parte do filme deformada, podre e emitindo
ameaças em formas de grunhidos. As péssimas atuações não entregam totalmente o
drama que o filme exige, mas hoje em dia são consideradas o verdadeiro charme
de Evil Dead. A falta de experiência por parte do elenco e produção deixa tudo
mais assustador. Sentimos falta do profissional, tornando as cenas mais
assustadoras e caseiras. Tudo pode acontecer dessa maneira.
Pelo nível amador da produção, os
efeitos são muito bons, exceto por alguns detalhes de maquiagem ou erros de continuação.
Existem cenas que percebemos altos relevos que denunciam a maquiagem caseira, ou
alguns momentos em que Ash é recebido com litros de sangue, e na cena seguinte
está limpo, como se nada tivesse acontecido. Isso não atrapalha, principalmente
sabendo das limitações que o filme sofreu. Toda a violência é explicita em
tela, vemos calcanhares sendo perfurados com golpes de lápis, membros decepados
e esmagados, cabeças explodidas com tiros de escopeta. O sangue é um
espetáculo, se tornando um fator chave na dinâmica do filme. A trilha sonora é
quase inexistente, as cenas são bombardeadas com ruídos agonizantes e gritos de
possessão, portanto se prepare para ficar perturbado. Todos os momentos em que
um personagem é tomado se mantêm registrado com cenas assustadoras (o meu
preferido é o primeiro, quando Cheryl é possuída diante de uma janela). A
simplicidade que o filme é feito impressiona e assusta cada vez mais, desde
tomadas, cenários, perspectivas de câmeras e rugidos incômodos. Quem sentir
encanação? Fique chapado e encare uma sessão de Evil Dead altas horas da noite,
com as luzes apagadas. Pode ter certeza que será uma experiência inesquecível e muito tenebrosa.
O filme trata a natureza de uma forma
diferenciada. A floresta escura parece observar os passos dos jovens, sempre
misteriosa. Em todas as cenas do horizonte noturno, percebemos uma lua
extremamente grande para os padrões reais, iconicamente sendo encoberta por
sombras negras. Existe um simbolismo oculto em muitos momentos, principalmente nas
transições em que o mal começa a se manifestar. O elenco se esforça para dar o
drama necessário, mas só conseguem quando já estão possuídos e com as feições
deterioradas. De fato, Bruce Campbell é o que mais age com naturalidade em seu
papel, entregando uma junção de afeto, preocupação e muito trauma. No começo
ele sempre está hesitante e na duvida das atitudes que deve tomar, mas quando
não lhe sobra alternativa, acompanhamos o personagem mergulhar em uma solidão
doentia, chegando ao ponto de arrancar a cabeça de sua namorada com uma pá de
jardinagem, e esquartejar seus amigos zumbis em legitima defesa. A necessidade
de sobreviver o fez tomar inúmeras decisões que mudaram sua personalidade, o
deixando frio e atrapalhado. Lembrando que tudo isso acontece em apenas uma
noite.
Uma questão sempre intrigou o
publico: se todos estavam sendo possuído pelas forças malignas da floresta,
como Ash ficou imune? Obviamente o roteiro precisava de um herói final, então
essa pergunta pode ser facilmente respondida, mesmo sem nenhuma profundidade
maior. A solução final encontrada por ele é a destruição do Livro dos Mortos, o
jogando nas chamas da lareira, enquanto é brutalmente atacado pelos amigos possuídos.
É um final apressado e sem explicações, mas o suficiente depois de litros de
sangue derramado. O efeito mais difícil reproduzido foi o derretimento final
dos cadáveres, uma cena lenta e silenciosa onde vemos carne se transformando em
estado liquido, em uma mistura nojenta de sangue, músculos deteriorados, pus e insetos
(incluindo baratas).
O mestre Stephen King adorou o filme,
considerando ele único e diferente em uma época que a violência explicita
estava explodindo na Sétima Arte. Os slasher estavam dominando legiões de fãs,
e a obra prima de Sam Raimi conseguiu se manter no alto patamar até os dias
atuais. O flerte de King ajudou muito a franquia, porque foi ele quem decidiu
procurar um financiamento maior para o próximo capítulo, que estreou somente 6
anos depois, em 1987. A equipe despertou o interesse nos amantes do horror, e
criaram inúmeros conceitos que se tornariam marca registrada do gênero. Tudo
isso com pouco dinheiro e uma produção despreparada, sem nenhuma experiência por parte dos envolvidos.
Com certeza é um dos melhores filmes de terror já feitos pela humanidade, e sei
que continuará assim por muitos anos. É difícil bater de frente com esse tipo
de fita.
Se você nunca assistiu, abra sua mente e faça
isso agora mesmo. A mitologia envolvendo a trilogia é bem interessante e
contada aos poucos, despertando curiosidade. E as novidades não param, pois
atualmente existe uma série sobre a franquia que já conta com duas temporadas,
intitulada Ash vs Evil Dead, em desenvolvimento desde 2015. A série é
protagonizada por Bruce Campbell e se passa 30 anos após os filmes, essa é a
oportunidade perfeita para quem não conhece a história, uma chance para criar
uma profunda conexão com a obra, e se tornarem novos fãs. Se algum dia você
encontrar uma pessoa que adora terror, mas não gostou de Evil Dead (1981), por
favor, pegue uma escopeta ou um machete e corte a cabeça dela. Acredite no seu
instinto, ela não vai fazer muita diferença nesse mundo doido. Grande abraço!
____________________________________
TRAILER DE 1981:
CURIOSIDADES:
1) No final das gravações, a equipe enterrou uma cápsula do tempo dentro da lareira que existia na cabana, como uma forma de homenagem para futuras gerações. A cabana foi destruída, mas a cápsula foi encontrada por um casal de fãs calorosos de Evil Dead que descobriram que a lareira do local ainda estava intacta.
2) No roteiro original foi decidido que todos os personagens fumariam maconha quando ouvem a fita pela primeira vez. Os atores decidiram fazer isso na prática, e posteriormente a cena precisou ser refilmada devido aos seus comportamentos incontroláveis.
3) Em certo ponto das gravações, a blusa que Bruce Campbell estava usando ficou tão impregnada com sangue falso, que acabou petrificada e rachou no meio quando ele tentou vesti-la.
4) A cabana estava localizada em Morristown, Tennessee. Na biografia de Bruce Campbell, ele diz que acabou queimada anos mais tarde. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu (Sam Raimi diz que ele mesmo queimou após as filmagens). Além disso, ninguém pode dar informações exatas sobre o local, porque a única parte restante da estrutura é a chaminé de tijolos, e muitas pessoas já vandalizaram a propriedade.
5) Sam Raimi e Bruce Campbell eram amigos de faculdade, onde fizeram muitos filmes gravados em Super-8. Mais tarde eles se uniram com Ted Raimi e formaram várias colaborações juntos. Cambell virou o ator do grupo, pois "ele era aquele homem que as garotas queriam olhar".
6) No fim de um dia normal de gravação, Bruce Campbell retornava para casa na caçamba da caminhonete porque estava sujo de sangue da cabeça aos pés.
7) Um cinegrafista escorregou durante as filmagens, esmagando sua câmera no rosto de Bruce Campbell e arrancando vários dentes do ator.
8) O filme acabou ficando sem dinheiro no meio da produção. Os envolvidos fizeram de tudo para completar o filme, conseguiram empréstimos bancários de alto interesse, emprestaram dinheiro de amigos e familiares e até mesmo fizeram ligações golpistas para empresas no estado de Michigan. Essas ligações frias funcionaram na medida certa, e eles conseguiram refeições, gasolina e outras necessidades que o elenco e a equipe precisavam.
9) As lentes de contato usadas eram extremamente dolorosas para se colocar. Elas cobriam metade dos olhos e precisavam ser removidas dentro de 15 minutos para possibilitar o olho de respirar.
10) Há um cartaz rasgado de Quadrilha dos Sádicos (1977) visível em uma das cenas. Foi uma brincadeira para Wes Craven, afirmando que Evil Dead é ainda mais assustador.
6) No fim de um dia normal de gravação, Bruce Campbell retornava para casa na caçamba da caminhonete porque estava sujo de sangue da cabeça aos pés.
7) Um cinegrafista escorregou durante as filmagens, esmagando sua câmera no rosto de Bruce Campbell e arrancando vários dentes do ator.
8) O filme acabou ficando sem dinheiro no meio da produção. Os envolvidos fizeram de tudo para completar o filme, conseguiram empréstimos bancários de alto interesse, emprestaram dinheiro de amigos e familiares e até mesmo fizeram ligações golpistas para empresas no estado de Michigan. Essas ligações frias funcionaram na medida certa, e eles conseguiram refeições, gasolina e outras necessidades que o elenco e a equipe precisavam.
9) As lentes de contato usadas eram extremamente dolorosas para se colocar. Elas cobriam metade dos olhos e precisavam ser removidas dentro de 15 minutos para possibilitar o olho de respirar.
10) Há um cartaz rasgado de Quadrilha dos Sádicos (1977) visível em uma das cenas. Foi uma brincadeira para Wes Craven, afirmando que Evil Dead é ainda mais assustador.
CONTAGEM DE CORPOS (4):
Zumbi Shelly: esquartejada por Scott, tem braços, pernas e a maioria do corpo despedaçado com machadadas.
Zumbi Linda: decapitada por Ash, usando uma pá de jardinagem.
Zumbi Cheryl: carne e músculos derretidos após o Necronomicon ser arremessado na lareira.
Zumbi Scott: também derretido após a destruição do Necronomicon.