AVISO
DE PERIGO: essa
crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por
risco próprio.
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Acompanho os filmes de terror desde
pirralho, sempre foi meu gênero preferido. Não era apenas uma mistura de medo,
diversão, putaria e sangue; o horror visto na telona despertava inúmeros sentimentos
que todos guardamos, seja a preocupação com a vida (algo que possuímos por
pouco tempo, e às vezes nem damos o valor necessário), seja talvez pelo
conhecimento delicado de se estudar e entender a mente de um psicopata genial,
ou um serial killer de poucas palavras. Ou talvez seja apenas o prazer de ver
aquele jovem chato se ferrando com a garganta cuspindo o lindo vinho vermelho. O
terror desperta curiosidade e criatividade, isso é essencial para o
conhecimento que precisamos nessa vida doida. Muitas pessoas pensam que filmes
de terror são aqueles com possessões demoníacas e sustos gratuitos. Errado. É
algo muito maior e mais planejado que essa premissa atual. Antigamente, quando
esse tipo de filme era novidade, as inovações mostravam histórias extremamente
realistas e cruas, obviamente para chocar os mais delicados.
Quando eu tinha 12 anos, percebi essa
“magia horrorosa” de uma maneira impressionante. Percebi que esses filmes eram
tão fixados em suas características únicas, que qualquer pessoa podia fazê-los,
e contar sua história sangrenta para continuar chocando as pessoas. A tradição
jamais pode morrer. Foi assim que escrevi meu primeiro curta-metragem, e o
gravei ao lado do ilustre Gabriel Campanha (o Gary), que ajudou a fundar o
Portal Tartárico lá em 2010. Levei muito o clássico Halloween (1978) de
inspiração, mas conseguimos criar uma história totalmente original e ambiciosa
que, hoje em dia, se tornou algo muito maior do que imaginei. A produção do terror
amador sempre me conquistou, e pratiquei bastante disso até meus 16 anos,
sempre criando obras trashs com muito sangue, atuações afetadas e uma ótima
trilha sonora. Se não fosse esse interesse pela produção do terror simples, não
teríamos fundado o blog, e eu não estaria falando isso agora.
Lá em 1978, o até então desconhecido
mestre Sam Raimi estava com a mesma inspiração, e que BELA INSPIRAÇÃO, MEU
AMIGOS! O curta Within the Woods foi responsável por começar uma das franquias
mais reconhecidas do terror moderno, é claro que estou falando da trilogia Evil
Dead (1981 – 1992). Atualmente, com celulares e câmeras em todos os lugares,
qualquer pessoa pode fazer seu projeto sangrento com os amigos, basta ter
criatividade e muita cerveja. No entanto, no final da década de 70, um grupo de
amigos estava com planos de algo sério e perturbador ao se tratar de terror.
Sam Raimi e Bruce Campbell eram amigos de faculdade, e foi ai que tudo começou.
Within the Woods é um dos 3 curtas amadores produzidos por Sam Raimi, um verdadeiro
clássico bruto.
Quatro amigos de faculdade resolvem
passar uns dias em uma casinha rural afastada da civilização, em um bosque
silencioso. O casal Bruce Campbell e Ellen Sandweiss decide dar uma volta pela
floresta para preparar um piquenique, em um fim de tarde misterioso. Já o casal
Scott Spiegel e Mary Valentin resolve ficar na casinha jogando Monopoly.
Durante o passei pela floresta, Bruce e Ellen encontram um antigo cemitério indígena,
e ele explica um pouco sobre a história da região, contando que um velho espírito
toma conta da área. Enquanto tenta acender a fogueira, Bruce encontra um antigo crucifixo
e uma adaga indígena talhada. Involuntariamente ele acaba violando o cemitério,
mas não aparenta estar muito preocupado.
Eles acabam dormindo na floresta. Ao
acordar, Ellen percebe que o namorado desapareceu, e ao ir procurá-lo acaba
encontrando seu corpo estripado em uma árvore. Nesse momento temos uma das primeiras
representações do mal se movimentando (icônicas cenas onde a perspectiva da câmera
flutua sobre a floresta, como um ser espreitando alguma presa), esse recurso é
extremamente utilizado em Evil Dead, e aqui vemos como tudo começou.
Ellen é perseguida pelo mal na
floresta (assim como Cheryl no longa metragem), e consegue se salvar ao voltar
desesperada até a casinha. A cena lembra muito o primeiro Evil Dead, mas com a ausência
de muitos efeitos especiais. Quando Scott resolve sair para procurar Bruce, as
meninas ficam sozinhas na casa rural, com a noite sombria caindo no horizonte.
Desde aquela época já dava para perceber que Sam Raimi tinha experiência ao
manusear uma câmera com um olhar inspirado e amedrontador. As tomadas externas,
apesar de bastante datadas pelo tempo, provam que o diretor tinha visão. É um
curta amador e com produção conturbada, mas mostra que, com uma câmera e uma ideia,
qualquer pessoa tinha a incrível capacidade de contar uma história fictícia.
Raimi foi adiante, pois o final do curta mostra sua verdadeira vocação: a violência
explícita.
Sozinhas, as meninas são atacadas por
Bruce, agora transformado em um grotesco zumbi rural com movimentos duros e
muito sangue. Acho sensacional a forma que Raimi revela a criatura (quando uma das
garotas abre a porta e é atacada no meio da noite). É interessante ver que
Bruce Campbell não age como um herói amargo, mas sim como um zumbi assustador,
diferente de Evil Dead. O elenco amador não é muito convincente em suas
atuações, mas o carisma de Campbell se destaca no meio do amadorismo, mostrando
que o rapaz tinha talento para esse tipo de produção. O tempo provou isso, como
todos sabem.
O final é um embate de Shelly contra
Bruce, em que podemos ver inúmeras referências caseiras do que viria no futuro,
como Bruce quase tendo sua mão amputada e sendo obrigado a devorá-la com
dentadas. Serve como um protótipo para apresentar o trabalho de Raimi no mundo
sangrento. Se esse curta-metragem não existisse, provavelmente o consagrado
diretor não teria embarcado na fama, e vários filmes não teriam sido lançados
por ele, como a eterna trilogia Homem Aranha (2002 – 2007) e Arraste-me Para o
inferno (2009). A produção também contou com a ajuda de Robert G. Tapert, que
emprestou a velha casa no local onde as filmagens ocorreram.
Enfim, chega de conversa. Abaixo
vocês podem conferir o curta completo e legendado. Infelizmente, ele nunca foi
remasterizado para uma qualidade superior e nem sequer lançado em DVD no nosso
território nacional. Se trata de uma produção raríssima que, graças aos avanços
da internet, hoje você pode assistir tranquilamente. A qualidade de imagem é da
época, produzida com poucos recursos, um prato cheio para os nostálgicos de
plantão. Estourem uma pipoca, abram uma cerveja e boa sessão! Clássico é
clássico.
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FILME COMPLETO DE 1978 / LEGENDADO:
CURIOSIDADES:
1) Durante as filmagens, Bruce Campbell não removeu sua maquiagem de zumbi, e quando as gravações acabaram, ele descobriu que seu rosto estava se assemelhando a forma da maquiagem.
2) Boa parte das cenas foram refeitas para Evil Dead (1981).
3) Foi programado para ser lançado em 2002 como um bônus do DVD "Evil Dead", mas foi retido no último minuto devido a problemas com direitos autorais da música usada brevemente no curta. Esse problema impediu que a obra recebesse uma versão em qualquer formato.
4) A cena que Bruce Campbell tem seus pulsos cortados, deixando sua mão pendurada, foi improviso. A mão falhou na hora de ser arrancada por completo, e o ator começou a mordê-la para adiantar o processo. Virou um fator clássico.
CONTAGEM DE CORPOS (3):
Bruce: transformado em morto-vivo.
Shelly: enforcada e esfaqueada com adaga indígena.
Shelly: enforcada e esfaqueada com adaga indígena.
Scotty: esfaqueado acidentalmente, em seguida recebe uma machadada nas costas (offscreen).