quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Alien - O Oitavo Passageiro (1979) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
________________________________________________

É difícil encontrar alguém que não tenha ouvido falar de Alien – O Oitavo Passageiro, clássico absoluto de 1979. O filme de Ridley Scott é uma obra prima da humanidade e deve ser conhecido por todos os apaixonados pelo terror e ficção cientifica de primeira qualidade. O Xenomorfo (conhecido popularmente como a criatura Alien) é um dos ícones mais representados na cultura pop, desde sua aparência física, como também a forma de reprodução por meio de hospedeiros. A história se passa no espaço, um lugar desesperador e sufocante, onde nem mesmo seus gritos podem ser ouvidos. É obrigatório que todos tenham visto esse filme antes de "seguir adiante", outra forte recomendação do Portal Tartárico como ótimo entretenimento para as madrugadas.

Ridley Scott dirigiu inúmeras projeções conhecidas como Blade Runner – O Caçador de Androides (1982), Hannibal (2001) e mais recentemente Prometheus (2012) e Perdido em Marte (2015), já tendo uma grande noção em cima da ficção cientifica aprofundada. No bruto Alien, sua consagração imortalizada, ele não erra a mão em quase nenhum detalhe; a película carrega imagens escuras e tranquilas, enriquecidas pela imensidão do espaço profundo. Em uma época que o cinema visava o realismo (alterado com o sucesso de Star Wars em 1977), a produção conseguiu fazer tudo funcionar perfeitamente bem, tornando o filme especial em vários sentidos. Até mesmo o misterioso pôster original já deixa o público na dúvida do que será visto em tela; aqui realmente sentimos o clima forte de terror, diferente do que veríamos nas continuações, onde exploraram mais a ação explosiva. O roteiro fica por conta de Dan O’Bannon, já a ótima arte conceitual nas mãos do pintor surrealista H.R Giger. Lembrando que a franquia Alien teve quatro capítulos, um prequel lançado em 2012 (Prometheus) e um confronto com Predador. Portanto, sem mais delongas, vamos começar:

Nave comercial de carga “NOSTROMO”.
Tripulação: sete.
Carga: 20.000.000 toneladas de minério refinado e processado.
Curso: retornando à Terra.

É com essa breve mensagem que o longa se inicia, enquanto vemos a gigantesca nave Nostromo emergindo das profundezas do espaço. A simples mensagem já avisa tudo que precisamos saber: a nave está voltando para nosso planeta após recolher toneladas de minérios dos cosmos, e apesar do imenso tamanho da espaçonave, a tripulação é de apenas sete humanos; por isso o “Oitavo Passageiro” do titulo, no entanto, o filme é originalmente chamado de “Alien”.

Logo percebemos a falta de uma trilha sonora marcante, fazendo o público entrar no clima assustador rapidinho; o silêncio perturba. A fotografia também é tranquila e monótona, enriquecendo a vida no espaço. Obviamente, toda a tripulação estava hibernada em uma bonita sala branca, porque ainda faltavam 10 meses até chegarem à Terra, mas não demora para o computador central da nave, denominado “Mother”, acordá-los sem nenhum motivo aparente e tirá-los da hibernação necessária. O motivo?... Bom, como todos devem esperar, não é um motivo muito feliz.

Acordar "cedo" é sempre uma merda.

O filme pode ser determinado em duas palavras: lento e silencioso. Mas isso não é uma crítica negativa, e sim um ponto positivo; a lentidão e ausência de som prendem o público e mantem os nervos vibrando com cada movimento “tranquilo” executado pela tripulação da Nostromo. Sabemos que alguma coisa vai acontecer em qualquer momento, só não temos noção do que esperar.

São poucos lugares na nave que realmente se parecem com o “futuro” acreditado por muitos atualmente: as salas principais de comunicação ainda carregam aquela tonalidade branca e limpa (parecida com a vista na obra 2001 – Uma Odisseia no Espaço em 1968), mas o resto da gigantesca nave é sujo e escuro, como se fosse velho e “gasto”, semelhante às caldeiras de A Hora do Pesadelo. Fator muito mais interessante que naves completamente limpas e brilhosas, porque agrega realismo e o clima assustador que aguardamos. A Nostromo não é uma nave bonita de se admirar, chega a ser grotesca e assustadora de tão enorme, sempre silenciosa e vagarosa diante da imensidão do espaço sombrio. Imaginar alguma criatura descontrolada e desconhecida ali dentro é sempre uma visão medonha do que o futuro pode nos trazer. A ousadia do homem em construir invenções é impressionante, mas a capacidade de sobreviver por conta própria em lugares hostis (no caso o espaço) é broxante.

A gigantesca Nostromo no espaço.

Na primeira refeição depois de acordarem, podemos conhecer melhor os sete tripulantes “sortudos”: Dallas (Tom Skerritt) o capitão da Nostromo, independente individual e dedicado aos bens da missão, até mesmo capaz de dar sua vida por ela e todas as outras regalias que os homens importantes fazem. O negão gente fina Parker, engenheiro chefe da nave (Yaphet Kotto, que também fez o vilão Kananga em 007 – Viva e Deixe Morrer de 1973); temos também o engenheiro técnico Brett (Hary Dean Stanton), sempre despreocupado e fumando seu bolado, Lambert (Veronica Cartwright), a fofa navegadora da missão. Ash (Iam Holm, veterano) o cientista inteligente que terá uma revelação dramática na trama, em uma das melhores cenas do longa. Kane (John Hurt) faz o primeiro oficial da Nostromo, que se torna o hospedeiro do Alien quando a criatura atarraca seu rosto. Não podemos esquecer também da majestosa Sigourney Weaver protagonizando a subtenente de bordo Ripley, uma mulher destemida que será peça principal na franquia. Ripley é uma das final girls mais duronas do gênero, sempre consciente e com alta experiência no campo de combate, desenvolvida com o passar dos filmes.

Alguns membros da tripulação.

Pois bem, eles foram tirados da hibernação por causa de um estranho sinal vindo de um planeta desconhecido. O controle da nave basicamente acordou o grupo para verificar a origem da transmissão, porque no caso, estão passando “perto” do planeta. Como todos assinaram contratos e isso incluía emergências de regates, a tripulação tem que partir para o local, sem ao menos saber o que vão encontrar pela frente. Detalhe: é interessante como Ripley não é muito explorada nessa etapa da história, ganhando muito mais espaço e afinidade conforme o filme vai passando.

Ao desemparem no planeta desolado, a tripulação descobre que o sinal está vindo de uma gigantesca nave abandonada. Somente com o objetivo de cumprir a missão dada, Kane, Dallas e Lambert entram no objeto desconhecido para investigar a origem dos dados. Esse foi o pior erro que podiam ter feito, porque sem contar que encontraram vestígios de enormes formas de vida (como uma gigantesca criatura sentada, com o peito estourado de dentro para fora), o curioso Kane acaba encontrando um ninho de ovos, e um deles explode na sua frente, fazendo a primeira fase do Xenomorfo arrebentar o capacete e grudar em seu rosto (como se fosse um polvo).

Octopussy? (rsrs)

A primeira fase do Xenomorfo é muito parecida com uma aranha, e tem somente o objetivo de depositar o embrião dentro do hospedeiro, no caso Kane. O grito que a criatura emite assusta sem precisar de muito, e mesmo se tentarem arrancá-la com facas ou objetos cirúrgicos, ela somente aperta o pescoço de seu hospedeiro para matá-lo lentamente; é um processo que não pode ser impedido sem a morte da vitima, e assim sendo, a criatura transmite oxigênio que mantem a pessoa viva, mesmo fisicamente incapaz de fazer qualquer coisa.

Quando retornam com o corpo de Kane, fazem todos os testes possíveis para identificar o qual tipo de criatura grotesca era aquela; nessas sequências, acompanhamos o cientista Ash basicamente dando as primeiras informações sobre a enorme mitologia envolvendo a franquia. A criatura é tão bem feita e criada (com várias etapas de formação), que realmente parece existir no mundo real... E sabendo da imensidão e profundidade do nosso espaço, quem dirá que não existe mesmo?

Jantar sangrento.

A criatura demora em torno de alguns dias para terminar o processo, morrendo naturalmente após depositar o embrião no hospedeiro. E é assim que temos uma das cenas mais clássicas do cinema, quando Kane acorda após a criatura desgrudar de seu rosto, faminto, os tripulantes de reúnem para jantar em uma das salas extremamente brancas da Nostromo. Após darem risadas, curtirem uma conversa descontraída, Kane começa a agonizar e o pequeno Xenomorfo formado literalmente explode de seu peito e consegue escapar pela espaçonave. É genial o contraste do sangue vermelho com o branco do refeitório; os barulhos, gemidos e expressões somente fortalecem ainda mais a tensão. Sem saberem que tipo de inimigo estão enfrentando sem nenhum armamento, os tripulantes se encontram em uma delicada situação de sobrevivência contra o desconhecido.

O clima estabelecido até então muda completamente de mistério e suspense para terror e desespero. Mesmo sabendo que os tripulantes estão em maior número, o fato de não conhecerem o inimigo é totalmente fatal nessa ocasião inesperada; e após terminarem alguns reparos inesperados na nave, a Nostromo se encontra pronta para continuar sua viagem para a Terra.

Coisinha feia da porra.

O que ninguém esperava, é que o Xenomorfo se desenvolve rapidamente, atingindo sua fase adulta em um curto período de tempo (tendo esse desenvolvimento em offscreen nos dutos da espaçonave). A ficção cientifica retratada na película é a clássica vista nos antigos filmes, como computadores simples de dígitos esverdeados, porém com centenas de botões luminosos sem rótulos para se identificar suas funções. O mais gratificante é a ausência total de computação gráfica (fator que os filmes atuais usam e abusam, para recriar basicamente o que for preciso); em O Oitavo Passageiro tudo é real e não temos nenhum momento de CGI, agregando um realismo impossível de se envelhecer. Bolaji Badejo, negão com 2,18 metros de altura, é quem incorpora a excelente vestimenta artística da criatura alienígena, com seus movimentos leves a sutis que imortalizaram o clássico filme. Com suspense e ataques rápidos, o Xenomorfo só aparece de vez em quando, sempre mantido na ausência suspeita, típica do gênero. Antes do final da película, todas as suas aparições são rápidas e representativas, fazendo suas pequenas imagens se tornarem perturbadoras no consciente do público. A criatura sempre aparenta estar melada fisicamente e sedenta de sangue; sua aparência escura e disfarçada lembra qualquer inseto que nós trombamos no dia a dia. Sempre lento e silencioso, o Xenomorfo marca uma das figuras mais icônicas da cultura pop; sua cabeça extremamente curvada, junta de sua boca “secundária” e grito estarrecedor tiveram a capacidade de assustar toda uma geração por muito tempo, até os dias atuais. Lembrando que a criatura também possui sangue ácido esverdeado, tornando seus ferimentos um grande obstáculo dentro de uma espaçonave. No primeiro filme ela tem a estatura de um homem humano (pois usou o mesmo como hospedeiro), diferente, por exemplo, do que vemos em Alien 3 (1992), onde o hospedeiro é um cachorro e o Xenomorfo fica com um comportamento animalesco, coluna curvada, andando de “quatro” e etc. Toda sua linhagem será estudada na futura análise pessoal do personagem que o Portal Tartárico divulgará.

Xenomorfo em fase adulta.

Temos a marcante sequência onde é revelado que o cientista inquieto Ash, na verdade é um androide designado para trazer a criatura Alien em perfeito estado até os empregadores da Nostromo na Terra, mesmo que isso custe a vida da tripulação desinformada. Ao ser impedido e atacado por Parker, a cabeça de Ash se desloca do pescoço (!!!) revelando seu mecanismo robótico interior, com um grosso sangue branco (típico dos androides da franquia). É uma cena perturbadora e assustadora, onde percebemos que o restante da tripulação foi basicamente enviada para uma missão suicida, situação piorada com o fato de a criatura estar solta e sanguinária pela gigantesca nave.

Ripley prova ser uma das personagens mais marcantes do cinema, uma verdadeira guerreira motivada pelo inesperado; isso faz o público torcer por ela em todo momento. É cativante o jeito que a personagem vai ganhando importância com o passar dos minutos, ganhando cada vez mais lugar na trama, até sobrar somente sua vida para ser salva nas profundezas. Sigourney Weaver é perfeita no papel que lhe consagrou, com o cabelão no melhor estilo anos 80, poucas palavras e a bravura parecida com Sarah Connor em O Exterminador do Futuro 2 (1991). Ela também possui um gato de estimação chamado Jones, o qual protagoniza o clichê "susto do gato" que basicamente toda franquia já teve; mas nessa época, no final da década de 70, isso ainda não era um clichê irritante do gênero.

Ash, o androide traidor.

Sozinha e desesperada, Ripley tenta desativar a autodestruição da Nostromo (que havia sido ativada por ela mesma como único plano para destruir a criatura), mas a nave basicamente trava o sistema e não cancela a tragédia. Os últimos 20 minutos do filme são basicamente sem nenhum diálogo, somente barulhos intensos, câmeras chacoalhando e Ripley correndo de um lado para o outro, tentando fugir da Nostromo antes que a mesma finalize a autodestruição. Com muito esforço e pouco tempo, nossa protagonista consegue evacuar usando uma nave auxiliar (tipo um casulo de fuga aprimorado) e abandonar a espaçonave antes do evento, sem saber, no desespero, que a criatura também estava junto com ela, escondida na tubulação.

Após alguns momentos, a gigantesca Nostromo entra em uma sequência de enormes explosões (pique nucleares), fazendo uma linha brilhar repentinamente no espaço profundo, no melhor estilo Jornada nas Estrelas. É uma de minhas explosões preferidas na história do cinema e tem tudo a ver com o gênero ficção cientifica; as “emersões” da bomba também se parecem muito com o final de 2001 – Uma Odisseia no Espaço (1968), fator extremamente positivo.

A clássica explosão da nave Nostromo.

Já segura no casulo, pronta para entrar em hibernação, Ripley é surpreendida quando percebe que o Xenomorfo está ali dentro com ela, disfarçado entre os tubos de ventilação. Essa parte é muito interessante, porque podemos ver como a criatura se comporta sem “sentir” estar sendo notada; realmente parecido com qualquer inseto asqueroso, o Alien transmite uma poderosa fonte de tensão e perturbação mental. Ripley veste sua roupa de astronauta com movimentos curtos, sem desgrudar os olhos da criatura imóvel (como se fosse uma barata gigante). É uma sensação parecida com a que mencionei na crítica da primeira temporada de Stranger Things (clique aqui para ler), ao ficamos com aquele pensamento: se somente uma criatura fez tanto estrago, quem diria uma porção delas? Isso porque já sabemos que existem colônias da espécie, fator que será explorado no bombástico próximo filme da franquia.

Com uma agonizante cena final, ela consegue despressurizar a cabine e fazer a criatura ser ejetada da nave (após um tiro no peito). No entanto, o Alien fica preso por uma corda no exterior da nave, balançando junto do espaço e se dirigindo para os motores principais. Por sorte, Ripley liga as turbinas calorosas, literalmente destruindo o Xenomorfo de uma vez por todas. Sozinha com seu gato (que também conseguiu se salvar) nossa sobrevivente entra em profunda hibernação, pronta para continuar sua longa viagem em direção à Terra... Um final pessoalmente triste, porém reconfortante: apesar de perder todos os companheiros nessa situação que “provavelmente” venha a ser desconhecida, ela continuou viva e “segura”, se provando mais forte do que os outros... Essa volta para nossa Terra, no entanto, nunca vai acontecer (rsrs), mas isso é conversa para outra crítica. Por enquanto, vamos dizer que tudo acabou bem e tranquilo nessa história misteriosa.

A única sobrevivente.

O clima de Alien – O Oitavo Passageiro (1979) é angustiante e contagiante, abrindo novas portas no gênero que viria ser altamente abusado na próxima década, chegando ao caos da exaustão. Isso não é um problema, porque a qualidade continua forte até os dias atuais (e muito melhor que hoje em dia, quando me lembro dos “sustos baratos de adolescentes” alá Annabelle e Invocação do Mal, junto de uma pilha de projeções B lançadas), nessa antiga época gloriosa, tudo era feito com cuidado e carinho pela mitologia, enriquecendo MUITO com POUCO, na famigerada ambição que todos possuímos no fundo do coração. A franquia voltaria com calma em 1986, nas mãos de ninguém menos que o poderoso James Cameron, no também clássico Aliens – O Resgate. Como todos sabem, não tem ninguém melhor para se falar de ambição do que James Cameron, então já era garantido: a mitologia forte envolvendo Alien estava apenas começando, com uma carga única que não podia ser derrubada por nenhum outro projeto semelhante. O terror já é sufocante para derrubar todos, já pensou no espaço?... Ele está ali, tranquilo e silencioso... É só olhar para cima.

“IN SPACE, NO ONE CAN HEAR YOU SCREAM”
____________________________________


TRAILER DE 1979:

CONTAGEM DE CORPOS (7):
Assassino Xenomorfo:
Kane: servindo de hospedeiro, tem o peito estourado durante o nascimento da criatura.
Brett: morto com golpe da boca "secundária".
Dallas: emboscado no duto de ventilação (morte offscreen).
Parker: estourado pela “segunda” boca da criatura.
Lambert: estripada (morte offscreen)
OUTRAS MORTES:
Androide Ash: pane no sistema pessoal e atacado pela tripulação; carbonizado.
Xenomorfo: ejetado do casulo de fuga por Ripley, furado no peito e destruído no espaço pela turbina da nave.

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

A Morte Pede Carona (1986) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
________________________________________________

Tenho um amigo que é completamente viciado nesse filme, por isso já começo essa crítica com certa dedicação; A Morte Pede Carona (1986) é cruel e mensageiro, deixando uma bela “premonição” para os que se aventuram pelo interior norte-americano, sem saber dos males que perpetuam silenciosamente na história. The Hitcher, como chamado no titulo original, é um road movie de terror que apresenta vários momentos memoráveis do gênero. John Ryder não é tão famoso como Jason Voorhees, ou Freddy Krueger, mas o serial killer é tão bem desenvolvido, que em certo ponto da trama começamos a “gostar” dele (como acontece com os pioneiros, estilo Michael Myers).

Lançado em 1986, o filme carrega uma história realista, a qual pode acontecer com qualquer leitor que está acompanhando essa crítica. Você já deu carona para algum desconhecido?... Pois bem, acredite, depois desse filme, você vai pensar duas vezes antes de executar tal ação. A questão não é dar carona para alguém, e sim, ser perseguido até cumprir um objetivo desconhecido (mais para mental e espiritual), mudando brutalmente a personalidade do protagonista. Sendo provavelmente o trabalho mais famoso do diretor Robert Harmon, é altamente recomendado assistir essa película em VHS, porque a fita carrega uma imagem fosca e sem contraste, enriquecendo o clima de interior americano (os desertos sem lei). O visual lembra muito Quadrilha de Sádicos (1977), O Massacre da Serra-Elétrica 3 (1990) e até mesmo Breakdown – Implacável Perseguição (1997).

C. Thomas Howell interpreta o dramático personagem Jim Halsey, um jovem ingênuo que esta levando um carro até a Califórnia, e como todos devem imaginar, ele dá carona para um psicopata durante o trajeto no interior americano. John Ryder (o eternizado Rutger Hauer) é o misterioso homem que assassina todos que lhe dão carona; Jim consegue escapar, mas é perseguido e sendo acusado por todos os corpos derrubados no caminho, generalizando uma extensa loucura sádica que domina o protagonista. Com aquele drama afiado, vamos começar:

A morte pede carona.

Uma pequena curiosidade: no VHS da Flash Star, a projeção se inicia em um estranho formato widescreen, e sem mais nem menos, volta a ser fullscreen de uma tomada para outra; isso é bizarro e diferenciado, talvez até exclusivo. Começamos numa noite escura e serena, no “deserto” Texano (alá Easy Rider), Jim está atrás do volante com seu despreocupado cabelão de galã e a jaqueta “badboy” de couro. Não demora muito para o assassino ultradimensional fazer sua primeira aparição, pedindo carona debaixo da forte chuva. Jim lhe cede o favor, mesmo com sua inocência apetando o peito; na verdade, o jovem estava caindo de sono atrás do volante, por isso, a carona pode ter sido somente para se manter acordado e não provocar algum acidente. Então conhecemos John Ryder, misterioso, de poucas palavras e olhar penetrante; não demora para o clima tenso começar a se desenvolver com uma sutileza agonizante.

Jim Halsey, o badboy não mais tranquilo.

É final de madrugada, e Jim desconfia do passageiro quando o mesmo não responde suas perguntas básicas. Rutger Hauer é imortal no papel de John Ryder: o cara tem pinta de galã, olhar de assassino e voz de ditador; por algum motivo, ele me lembra do sádico Vilmer Sawyer (Matthew McConaughey) em O Massacre da Serra-Elétrica – O Retorno (1994), só que MUITO mais controlado e determinado, porque como todos sabem, Vilmer somente berrava e se cortava nas transes da perna mecânica, já John Ryder tem uma classe única, convincente e assustadora. Seu papel não é somente de um assassino preocupado em aumentar o body count, mas sim armar uma sucessão de acontecimentos que destruirá a vida do protagonista, ao mesmo tempo em que o ajuda, como se também fosse um aliado.

Não demora nem 15 minutos de projeção e já vemos o jovem Jim desesperado e rendido por uma faca, enquanto é obrigado a dirigir pelo escuro deserto sem fim. Rola também a clássica cena em que alguns trabalhadores e policiais bloquearam a pista para obras, e os dois são abordados na blitz, no entanto, John consegue fazer com que nosso protagonista se mantenha controlado e não tome nenhuma atitude sem pensar. Os jogos mentais não param.

John Ryder, o galã cruel dos desertos.

Thomas Howell também é ótimo como Jim Halsey, representando o típico adolescente americano, bonitão do colegial, despreocupado e sem nenhum problema com os males do mundo. Talvez, o fator mais interessante do filme seja a “evolução” do protagonista (decadência, na verdade), passando de um jovem inocente e simpático para um homem frio e amargurado. O “sequestro” no carro não dura muito tempo, porque em um momento de desespero, Jim consegue jogar o assassino para fora do automóvel, já com o dia amanhecendo no horizonte acinzentado. Gritando de alegria, o garoto parecia estar a salvo, mas tudo estava apenas começando em sua jornada...

A questão é que John Ryder não se limita somente com uma vitima, pois sem contar que já havia deixado um rastro de sangue pela estrada solitária, algumas horas mais tarde, Jim é ultrapassado na rodovia pelo carro de uma família tradicional, com crianças no banco traseiro; John está lá dentro, e acena para nosso protagonista. O jovem faz de tudo para avisar a família que eles vão ser mortos com a carona maldita, mas quase provoca um acidente. A direção de Robert Harmon nunca mostra os corpos da família, mas somente pela reação de Jim (vomitar), já sabemos que o estrago foi feio. Ele começa a perceber que está ajudando o assassino sanguinário em um estranho jogo, enquanto o mesmo usa modos suaves para seduzir suas vitimas. Aqui não temos um roteiro típico de slasher movies, pois no lugar, Eric Red escreve um drama cheio de qualidade e mistério, desenvolvido em um local que o protagonista não pode receber a ajuda de ninguém.

Interior do mal.

São vários os encontros com o assassino, isso transparece uma ideia de “alucinação”; é como se John Ryder sempre estivesse um passo a frente de Jim, já deixando a situação montada para o protagonista resolvê-la. Existem inúmeras cenas memoráveis e clássicas, como a dramática explosão do posto de gasolina, que quase acaba com Jim e basicamente destrói o veiculo que levava até a Califórnia; também a lendária sequência que o jovem para em um restaurante de estrada e encontra um dedo enquanto come as batatas fritas (essa cena é o poster da crítica). Como eu disse, Ryder sempre parece estar um passo a frente, e Jim se vê numa situação que não tem saída nem escapatória.

No restaurante de estrada, ele procura ajuda e conhece Nash (a bonita Jennifer Jason Leigh), uma jovem que trabalha no estabelecimento (da sua família). Nash é a única que vai conseguir ter contato com Jim durante esses acontecidos, e apesar do garoto estar em choque, ela consegue se apegar em suas palavras. Não vou dizer que Nash é a final girl do longa, porque aqui as regras mudaram.

A independente Nash.

De um jeito ou de outro, Jim acaba sendo pego pelos policiais e acusado de TODOS os crimes que haviam acontecido até então, e é aqui que as coisas começar a desandar para o personagem. Acho muito foda como as expressões do garoto se tornam vazias e sem propósito. Tantas coisas aconteceram com ele em um período tão curto de tempo, que nos momentos livres, o jovem só consegue ficar pensativo e deteriorado. Após não conseguir provar sua história para as autoridades, acaba sendo preso na pequena delegacia do interior.

John Ryder vira seu pesadelo, o destruindo e o ajudando. Ele aniquila a pequena delegacia somente para deixa a cela do jovem aberta, fazendo Jim ter a possibilidade de escapar, mas ao mesmo tempo, tendo que deixar uma pilha de corpos para trás, automaticamente se tonando o PRINCIPAL suspeito dos assassinatos. Ryder é o assassino perfeito, conseguindo armar situações que deixam o protagonista sem alternativa; se salva e se incrimina, ou morre. Destaque para a cena do cachorro pastor-alemão comendo um dos corpos (ouch...).

Marcas da guerra.

Jim se desmancha cada vez mais para conseguir sobreviver: sequestra dois policiais e até mesmo tenta se matar com um revólver (deixado para ele sem balas), em uma dramática cena. O garoto inocente não existia mais, sufocado pelo jogo doentio de John Ryder. A produção soube usar muito bem o orçamento, nos presenteando com ótimas cenas de ação bem coordenas: temos mirabolantes perseguições pelo deserto montanhoso, inúmeros carros capotados e destruídos, explosões cabulosas e até mesmo uma excelente queda de helicóptero. Belo exemplo de como manter o drama independente da época.

Em certo momento da história, Jim consegue encontrar a bonita Nash novamente, e convencê-la que é um inocente. Funciona, porque a garota começa ajuda-lo na caçada sangrenta pelas estradas. Nash não é burra como muitas final girls, e forma um belo casal com o protagonista. A película sempre foca em Jim, colocando ele basicamente em todas as cenas; isso é útil para vermos melhor as mudanças no personagem que pouco conhecemos. De certa maneira, John Ryder deixa todas as formas possíveis para Jim o matá-lo, mas isso só complicará mais ainda a vida do garoto perdido.

A criatividade é tudo.

Com uma armadilha mortal, Ryder consegue capturar Nash e deixá-la amarrada entre dois caminhões. Com o pé segurando a embreagem, o assassino consegue a atenção de Jim e dos policiais, explicando para nosso protagonista, que aquela era a chance que tinha de finalmente acabar com isso. Jim estava com a arma apontada para Ryder, e naquele momento tinha que escolher: se matar o assassino, o caminhão andaria e Nash seria cortada ao meio. Com a hesitação do garoto, Ryder solta o caminhão, e a tragédia acontece em um piscar de olhos; Jim agora carrega a morte de Nash em suas costas, sem capacidade o suficiente para ter evitado a tragédia.

Pego pela polícia, John Ryder se mantem indiferente da situação (ainda rola a clássica cena que Jim cospe meio litro em sua cara). Até mesmo as autoridades percebem uma conexão entre os dois. No entanto, durante a transferência do assassino, nosso protagonista desarma um policial, com o único objetivo de conseguir acabar com Ryder de uma vez por todas; o garoto sabia que ele era muito inteligente e astuto para ser preso. A solução tinha que ser a morte, obviamente.

Clássico assassino.

A sequência final é ótima e cheia de ação. Vemos um embate entre os dois no meio da estrada ensolarada, sem ninguém para impedir a morte eminente. Jim consegue atropelar o assassino com a viatura e fuzilá-lo sem a menor piedade; Ryder morreu ali mesmo, na beira de uma estrada qualquer, como acontecia com suas vitimas inocentes. Jim não tem mais aquele sorriso nem o olhar despreocupado, enquanto observa o pôr-do-sol no melhor estilo Mad Max (muito parecido mesmo, até a jaqueta de couro). Não ficamos tão felizes, porque sabemos que mesmo John Ryder estando finalmente morto, o garoto inocente se tornou um assassino sem remorso. Ele fez o jogo do vilão involuntariamente, etapa por etapa.

A trilha sonora final emite tristeza e solidão, fazendo o público sentir que aquele não foi um final feliz. O jovem provavelmente ficou com a vida destroçada depois desses dias, independente que em seu coração, se sentiu aliviado por ter acabado com o misterioso assassino. Nada valeu a pena, mas no calor do momento, era o único que podia fazer.

A Morte Pede Carona (1986) é mais um ótimo drama dos anos 80 e fica mais uma recomendação do Portal Tartárico. O filme teve uma continuação lançada em 2003, trazendo Thomas Howell novamente como Jim Halsey, e um remake em 2007, refilmagem direta deste aqui. O interessante dessa obra de 1986, é que ela consegue sair diferenciada dos outros inúmeros slasher que saíram naquela década, pois mantem uma atmosfera e história única, se privando de clichês e trazendo situações inusitadas, que enriquecem as escuras estradas sem lei do interior norte-americano. Vale a pena ser assistido, e lembre-se desse aviso necessário: se alguém chamado John Ryder lhe pedir carona algum dia, você acaba de morrer, moralmente e fisicamente.
____________________________________

TRAILER DE 1986:

CONTAGEM DE CORPOS (número não exato):
Assassino John Ryder:
Motorista do fusca: morte offscreen.
Família viajante: assassinados no carro (morte offscreen)
Vários polícias na delegacia: mortos de diferentes formas (offscreen)
Dois policiais: fuzilados na viatura.
Grupo de policiais: carbonizados na queda de helicóptero e acidentes com as viaturas.
Nash: rasgada ao meio ao ser “esticada” por caminhão.
Três policiais: baleados na estrada.
Assassino Jim Halsey:
John Ryder: atropelado e estourado com espingarda calibre 12.
- {Agradecimentos pela ajuda do ilustre Cleiton Rattus} -

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Stranger Things - Primeira Temporada (2016) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS de muitas horas de conteúdo, portanto se ainda não conferiu o seriado, leia por risco próprio.
________________________________________________

O plano era esperar o lançamento da segunda temporada para começar as críticas, mas como esse mês estou assistindo a série pela quarta vez, já vou começando a tomar as longas notas que o Portal Tartárico divulgará. Posso afirmar: fazia muito tempo que não me prendia em um seriado (acompanhando desde a season one), e a saudosa Stranger Things fez isso sem o menor esforço. É satisfatório ver o quanto a cultura oitentista presente na ambientação da trama é bem feita, trazendo a sensação de nostalgia até mesmo pra quem não viveu (ou não se interessa) pela época. Com uma mistura forte de terror, suspense e ficção cientifica, os oito episódios que fecham a primeira temporada são, em poucas palavras, um ótimo começo. A junção de uma trama interessante e atuações bem lapidadas conseguem prender quem assiste e logo se identificar com vários pontos apresentados, desde a inocência das crianças, até o ceticismo dos adultos.

Distribuída pela Netflix na forma de websérie, Stranger Things é produzida e idealizada pelos irmãos Matt e Ross Duffer (Hidden, 2015), e teve sua primeira temporada lançada em 2016 (de uma vez só). Na realidade, é uma temporada muito curta (oito episódios, como já mencionado), e serve mesmo para nos introduzir no universo criado, podendo ser assistido tudo no mesmo dia, com uma longa maratona de aproximadamente 8 horas. Já vimos muitas temporadas curtas (como a primeira de The Walking Dead, com apenas seis episódios), mas aqui a série é distribuída tão bem, que cada capítulo marca alguma emoção forte; acredite, em apenas uma primeira temporada, isso é satisfatório. A série se tornou a vigésima mais bem avaliada de todos os tempos pelo IMDB, isso em apenas três dias de exibição.

Outro ponto positivo é a presença de crianças no elenco. Sem contar que mantemos uma carga dramática tranquila, temos a oportunidade de acompanhar o crescimento deles durante o decorrer da série (a segunda temporada já está confirmada para 2017); algo parecido com o que aconteceu na saga Harry Potter, indo de 2001 até 2011. É o típico padrão de crianças corajosas, que realmente partem para alguma aventura por um bem maior, independente dos perigos que iram ficar expostos. Espero vê-los desenvolvidos e experientes nas próximas temporadas, inclusive armados, vai ser interessante. Portanto, vamos começar pelo enredo dramático:

Malditos jovens estereotipados, estão em todos os lugares.

 A história começa em 1983, com o desaparecimento do menino Will Byers (Noah Schnapp, já trabalhando com Steven Spielberg em Ponte dos Espiões), que some enquanto voltava para casa de bicicleta. Preocupados com o acontecido, seus amigos Mike (Finn Wolfhard), Lucas (Caleb McLaughlin) e Dustin (Gaten Matarazzo) partem para procurá-lo na pacata cidade de Hawkins, Indiana, e acabam encontrando uma estranha garotinha de cabelo raspado e poderes telecinéticos, identificada apenas como Eleven (Millie Bobby Brown). Quando a notícia se espalha, envolvendo a dramática mãe de Will, Joyce Byers (Winona Ryder, voltando com tudo), e o xerife amargurado Hopper (David Harbour), as “coisas estranhas” que dão titulo na série começam se desenrolar com um suspense único. E não da para negar a forte influência de Steven Spielberg, John Carpenter e Stephen King (que inclusive, elogiou a projeção); existem certos momentos da trama, que realmente parecemos estar assistindo ET – O Extraterrestre (1982) ou Carrie – A Estranha (1976), junto da tranquilidade de Os Goonies (1985) e a tensão de Alien – O Oitavo Passageiro (1979).

Will Byers, o azarado de Hawkins.

Na realidade, Will foi parar em uma dimensão paralela, chamada de “Upside Down”, ou então Mundo Invertido pra quem assiste dublado (recomendo o legendado, esse não fica devendo). Um estranho local que é extremamente igual a cidade de Hawkins, mas escuro, frio e abandonado; sem contar que a realidade é habitada por criaturas sanguinárias, que vem até nosso mundo para buscar suas vitimas e levá-las até sua dimensão. As crianças chamam a criatura de Demogorgon (inspirado no RPG Dungeons & Dragons, jogo que os meninos esquematizam toda hora com suas enormes campanhas); nessa temporada, vemos apenas um Demogorgon, que leva Will até o Mundo Invertido e posteriormente a nerd retraída Barb (Shannon Purser). Parecido com os dois primeiros filmes da franquia Alien: no primeiro temos apenas uma criatura (e já faz um baita estrago), para pensarmos “se somente um faz isso, imagina um monte junto”, mesmo conceito aqui, porque se um Demogorgon já fode tudo, quem diria alguns pares nas próximas temporadas.

Logo que Will some, sua mãe Joyce Byers (olha o sobrenome em homenagem ao velho Michael Myers de Halloween), procura a ajuda do xerife local Hopper, já o tendo como um velho amigo. Hopper é um dos personagens mais cativantes de se acompanhar, passando de um rapaz amargurado e relaxado na vida, para um excelente exemplo de garra e determinação; sua história é extremamente triste, sendo contada somente no último episódio, nos momentos mais intensos. Hopper não teve a oportunidade de salvar sua filha paciente terminal de câncer, mas fez de tudo para conquistar os mistérios e resolver o caso de Will Byers. Ele começa odiando crianças, mas desenvolve um crescimento moral muito forte por elas.

It is not safe...

Não dá para negar: Stranger Things é igual Star Wars, dá para sentir a energia de longe, com uma incrível atmosfera única. Enquanto o xerife Hopper começa a organizar buscas pela região, Joyce começa a receber ligações vindas do além, onde consegue ouvir a voz do filho; muito parecido com Poltergeist – O Fenômeno (1982), quando a garotinha Carol Anne entra em contato com a família pela estática da televisão, a única diferença é que aqui o contato é estabelecido por luzes e telefones.

Acontece que ninguém acredita que Joyce entrou em contato com Will, nem mesmo seu filho mais velho, Jonathan Byers (Charlie Heaton, futuro galã), um rapaz calmo e reservado, que sempre anda por ai com sua câmera fotográfica. A mulher começa a sofrer com a ausência de sanidade, realmente se tornando obcecada pelo esperançoso contato com o filho. Detalhe: cada vez que rola o contato, o telefone estoura em chamas, fazendo Joyce literalmente comprar vários, até ficar devendo na própria loja que trabalha. Winona Ryder é perfeita no papel, e traz uma carga dramática absurda como a desesperada Joyce; sempre desconfiada, esperançosa e lutando por só um motivo. Winona faz um retorno surpreendente às telas, depois de anos sem produções, basicamente “amaciando” seu talento para muito mais; como todos sabem, a atriz já teve distúrbios de cleptomania e assaltou algumas lojas em Beverly Hills no distante ano de 2001, o que deslanchou na sua lenta “queda” em Hollywood. Muito bom ver que a atriz está em ótima fase e desenvolveu grande amizade com Millie Brown.

Will?

Os garotos amigos de Will são no melhor estilo Os Goonies (1985) e Stand by Me (1986). Mike é concentrado, leal e às vezes fala demais, sem mencionar que seus pais são os típicos americanos dos anos 80: uma mãe totalmente preocupada e “altruísta” com os filhos, e um pai avoado e desligado das situações cotidianas, se preocupando em ler o jornal ou então comer o pedaço maior de frango (Mike também se parece com um antigo amigo meu de escola). Já Dustin é o cabeça da turma, sempre autoritário e considerando os efeitos que a física pode ter na nossa realidade. Bem dramático e agitado (como quando Eleven começa a trocar de roupa na frente deles), ele que consegue estabelecer um laço que os une, sempre corrigindo as brigas que Mike e Lucas provocam; o ator de Dustin, Gaten Matarazzo, sofre de uma rara doença chamada Displasia Cleidocraniana, que o impede de ter os dentes da frente, por isso o garoto fala puxado e tem um sorriso despreocupado e pacato. Já Lucas é o briguento consciente do grupo, mantendo sua personalidade forte em todos os momentos; inclusive, ele detesta a Eleven no começo e sempre briga com ela, mas no final volta atrás e os dois viram amigos.

Última noite tranquila e normal.

Millie Brown é outro ponto positivo como Eleven, sua inocência é contagiante e muito bem explorada; por isso, nos momentos que a vemos berrando e quebrando pescoços com seus poderes, sabemos que aquela garotinha é doce até chegar ao seu limite, depois disso, somente sangue e dor. Mesmo tendo aprendido os valores da amizade com os meninos, ela é quem os lembra desses princípios nos momentos de tensão, como quando recorda que “os amigos não mentem” para Mike, uma coisa que ele mesmo havia ensinado e, por vezes, esquecido. Falando somente poucas frases, devido sua timidez e falta de afinidade com o “mundo exterior”, ela consegue transparecer um realismo muito forte, sempre roubando a atenção quando esta em cena. Ela é como se fosse o ET do clássico filme da Sessão da Tarde, porque são vários momentos que reconhecemos as referências, como quando Mike a leva na garupa da bicicleta, ou então quando a vestem com uma peruca loura para poder levá-la na escola, ou até mesmo no desenvolvimento de sua “vida social” (quanto mais o tempo passa, mais a vemos conversando abertamente com os amigos); só que a garota é muito mais fofinha e badass que a criatura cativante criada por Spielberg nos anos 80.

<3

Todo personagem tem sua evolução, fechando vários ciclos pessoais com direito a continuações intrigantes. O desaparecimento de Will é um evento que muda totalmente a rotina e vida dos envolvidos (isso no período de uma semana, até o garoto ser encontrado). Esse evento faz o publico ter vários olhares diferentes em cima de uma só situação; as crianças transmitem total esperança que iram encontrar o amigo desaparecido. A simples esperança e inocência. Isso tem um tremendo poder na situação, porque conseguimos sentir a motivação verdadeira, diferente do ceticismo dos adultos, que deixam a esperança de lado ao saberem como esse mundo é perverso para os menores. Os adultos consideram que Will possa estar vivo (principalmente sua mãe), no entanto, eles não possuem a mesma esperança conquistadora das crianças. O valor de uma amizade ultrapassa todos os limites em cada evolução silenciosa. Nos anos 80, valia o contato pessoal com os próximos, não virtual; sentimos isso bem. Vemos Will muito pouco nessa temporada, mas torcemos cada minuto para encontrá-lo são e salvo.

É claro, temos MUITOS clichês dos anos 80: como o gostosão do colégio, a criança com poderes sobrenaturais, o policial amargurado, as roupas no melhor estilo De Volta Para o Futuro (1985), o monstro de outra dimensão, a mãe divorciada... Mas isso não prejudica a série no geral, porque ela de fato é ambientada nos anos 80, então embarcar no famoso clima já conhecido (e que funciona) não é um problema. Existem muitas produções recentes ambientadas na década retratada, mas Stranger Things não abusa, mantendo a estética HD que as novas câmeras estão ostentando com tranquilidade. Isso da um contraste único na produção, e a cidadezinha de Hawkins transmite um mistério perturbador e silencioso (lembrando muito quando Rick Grimes acorda do coma na primeira temporada de The Walking Dead, e encontra a cidade com uma ausência de vida assustadora).

Cena fodástica.

Muitas intrigas e reviravoltas acontecem em todos os episódios, e não vou entrar em todos detalhes da temporada, porque a crítica iria ficar gigantesca demais (e para não estragar todas as surpresas de quem não assistiu). Temos o triangulo amoroso composto por Jonathan Byers, Steve Harrington (Joe Keery) e Nancy Wheeler (Natalia Dyer), a irmã atrevida de Mike. Nancy é a típica garota “santinha” que já está cansada de tanta benção; no período de uma semana (em que a série se passa) a jovem muda seus princípios, perde a virgindade na clássica festa na piscina organizada pelo namorado, e até mesmo aprende a manusear armamento para caçar o Demogorgon (a menina representa, sério). Já seu namorado, Steve, é o cara insuportável e chato que ninguém gosta (sem contar que é o estereotipado gostosão rico do colégio), no entanto, somos surpreendidos com sua mudança até o último episódio, e começamos a gostar dele no final da temporada, após o mesmo sair na paulada com o monstro que nem tinha ideia existir; Steve se mostra corajoso e protetor, apesar de arrogante e com péssimas amizades.

O triangulo amoroso da vez.

Temos também os mirabolantes mistérios desenvolvidos no laboratório do governo de Hawkins, onde cientistas fazem experimentos com crianças que possuem poderes paranormais (foi desse laboratório que Eleven fugiu). Acontece que com os poderes da menina, eles conseguiam acessar o tal Mundo Invertido, mesmo sabendo que isso a prejudica muito. Conhecemos o FILHO DA PUTA identificado como Dr. Martin Brenner (Matthew Modine), um velho cafajeste que ilude nossa Eleven dizendo ser seu pai, e a convencendo fazer todos os testes sem hesitar. Ele judia muito da garota, a fazendo torturar gatos, amassar latas, ficar submersa com capacete em um tanque de água para “acessar” o Mundo Invertido. Foi em um desses testes, que o Dr. pediu para ela enfrentar o monstro que existe naquela dimensão, e fazendo isso, acabou despertando a criatura, trazendo ela para nossa realidade (e deslanchando em uma Hawkins paralela e o desaparecimento de Will Byers). Também deixam dicas da possível mãe de Eleven, uma mulher que foi usada em testes de LSD no passado até destruir sua mente... Só que ninguém esperava que ela estava grávida de uma menina.

Por falar no monstro Demogorgon, se parece muito com algumas criaturas vistas nos jogos da franquia Resident Evil: não possuiu face, mas abre uma boca gigantesca, que preenche toda sua cabeça. É claro, deve haver MUITAS criaturas para serem exploradas nas próximas temporadas, pois o Universo Invertido é bem grande e complexo, somente sendo apresentado nessa primeira etapa (inclusive, conseguimos ver alguns ovos em uma cena). Parece que a cada dia que passa, a “fenda” que liga as duas realidades vai ficando cada vez maior, dando indícios que o Mundo Invertido pode ser Hawkins no futuro.

Um Demogorgon na nossa realidade.

Caralho, o que falar da trilha sonora? Podendo ser dividida em dois temas diferentes, temos o melhor dos flashbacks e rock oitentista, que é apreciado em cada episódio (temos canções recentes também). Felizmente, ainda estamos na primeira temporada, isso significa que tem muito mais para ser visto e ouvido (clique aqui para ouvir um set com todas as músicas). Recomendo muito para os leitores mais atentos, sério. Fora que os temas compostos para a série são excelentes, dando todo um clima tenso e misterioso, com os sintetizadores bem orquestrados no embalo da ficção e horror; destaque para o tema de abertura e a sensacional “She’ll Kill You” (ouça aqui), que toca quando Eleven salva Mike de se jogar do penhasco. Talvez os separem, mas nunca serão capazes de destruí-los. Não tem como ser melhor.

Determinada & Retardada.

Já vou finalizando a crítica por aqui, porque apesar dos spoilers, ainda existe muita coisa que precisa ser mantida em sigilo para não estragar as surpresas. Os últimos três episódios são frenéticos e não param um minuto, fechando o circulo que foi o desaparecimento de Will Byers; as cenas finais são sensacionais, e assumo que sempre fico envolvido emocionalmente quando vejo. A montagem feita durante o resgate do garoto é muito triste, e impossível não mexer com nossa cabeça. Mesmo essa etapa da história sendo concluída perfeitamente, muitos mistérios são mantidos para as continuações futuras.

A segunda temporada já está confirmada pelos irmãos Matt e Ross Duffer para 2017 e trará novamente todo o elenco principal, junto de novos personagens que chegam em Hawkins (como Sean Astin, o eterno Sam da trilogia bilionária O Senhor dos Anéis, também Paul Reiser de Aliens – O Resgate e alguns outros nomes, como Sadie Sink e Dacre Montgomery). Já sabemos algumas coisas que podem acontecer no próximo ano: a nova temporada vai ter nove episódios e a trama pode se desenrolar em outras cidades, o Mundo Invertido vai ser explorado, Will Byers ficará preso entre as duas dimensões (como já visto no finalzinho da primeira temporada) e vamos descobrir muito mais sobre Eleven, existindo até chance de a mesma ser o próprio Demorgongon... Já pensaram nisso? E outra, se ela é a cobaia “número onze” onde estão os outros dez?
 Stranger Things é perfeita no que tem de ser. Uma mistura majestosa de horror, ficção cientifica e a clássica “Sessão da Tarde”, cheia de referências, personagens carismáticos, reviravoltas mirabolantes e muitos mistérios; a série tem um potencial imenso para ser explorado, e muitas perguntas para serem respondidas no próximo ano. Por enquanto, só podemos criar teorias e ficar na expectativa. De uma coisa eu sempre vou ter certeza: o tempo pode passar, mas os anos 80 e a cultura pop presente naquela época vão reinar para sempre, independente dos avanços que caminhamos... O que é bom não envelhece nunca.

"FRIENDS DON'T LIE"
____________________________________

TRAILER DE 2016:

LISTA DE EPISÓDIOS (8):
Episódio 1: O Desaparecimento de Will Byers.
Episódio 2: A Esquisitona da Rua Maple.
Episódio 3: Caramba.
Episódio 4: O Corpo.
Episódio 5: A Pulga e o Acrobata.
Episódio 6: O Monstro.
Episódio 7: A Banheira.
Episódio 8: O Mundo Invertido.

CONTAGEM DE CORPOS (número não exato):
Assassino Demogorgon:
Cientista do laboratório: arrastado pelo teto (morte offscreen).
Barbara "Barb": levada até o Mundo Invertido e morta.
Filho de Brenner: entra no Mundo Invertido e é retalhado (morte offscreen).
Assassina Eleven:
Dois agentes do governo: pescoços quebrados durante fuga.
Paramédico #1: esmagado contra a parede.
Paramédico #2: pescoço quebrado.
Agentes do governo: provavelmente mortos quando o furgão capota.
Cinco agentes do governo: cérebros explodidos e hemorragia pelos olhos.
OUTRAS MORTES:
Benny: baleado na cabeça.
Dr. Martin Brenner: Pego pelo Demogorgon (morte ainda não confirmada).
Demogorgon: destruído pelos poderes de Eleven.
Eleven: desaparecida e presa no Mundo Invertido.