AVISO
DE PERIGO: essa
crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por
risco próprio.
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Tenho um amigo que é completamente
viciado nesse filme, por isso já começo essa crítica com certa dedicação; A Morte
Pede Carona (1986) é cruel e mensageiro, deixando uma bela “premonição” para os
que se aventuram pelo interior norte-americano, sem saber dos males que perpetuam
silenciosamente na história. The Hitcher, como chamado no titulo original, é um
road movie de terror que apresenta vários momentos memoráveis do gênero. John
Ryder não é tão famoso como Jason Voorhees, ou Freddy Krueger, mas o serial killer
é tão bem desenvolvido, que em certo ponto da trama começamos a “gostar” dele
(como acontece com os pioneiros, estilo Michael Myers).
Lançado em 1986, o filme carrega uma
história realista, a qual pode acontecer com qualquer leitor que está
acompanhando essa crítica. Você já deu carona para algum desconhecido?... Pois
bem, acredite, depois desse filme, você vai pensar duas vezes antes de executar
tal ação. A questão não é dar carona para alguém, e sim, ser perseguido até
cumprir um objetivo desconhecido (mais para mental e espiritual), mudando
brutalmente a personalidade do protagonista. Sendo provavelmente o trabalho
mais famoso do diretor Robert Harmon, é altamente recomendado assistir essa película em VHS, porque a fita carrega uma imagem fosca e sem contraste,
enriquecendo o clima de interior americano (os desertos sem lei). O visual
lembra muito Quadrilha de Sádicos (1977), O Massacre da Serra-Elétrica 3 (1990)
e até mesmo Breakdown – Implacável Perseguição (1997).
C. Thomas Howell interpreta o dramático
personagem Jim Halsey, um jovem ingênuo que esta levando um carro até a
Califórnia, e como todos devem imaginar, ele dá carona para um psicopata
durante o trajeto no interior americano. John Ryder (o eternizado Rutger Hauer)
é o misterioso homem que assassina todos que lhe dão carona; Jim consegue
escapar, mas é perseguido e sendo acusado por todos os corpos derrubados no caminho,
generalizando uma extensa loucura sádica que domina o protagonista. Com aquele
drama afiado, vamos começar:
A morte pede carona.
Uma pequena curiosidade: no VHS da
Flash Star, a projeção se inicia em um estranho formato widescreen, e sem mais
nem menos, volta a ser fullscreen de uma tomada para outra; isso é bizarro e
diferenciado, talvez até exclusivo. Começamos numa noite escura e serena, no
“deserto” Texano (alá Easy Rider), Jim está atrás do volante com seu
despreocupado cabelão de galã e a jaqueta “badboy” de couro. Não demora muito
para o assassino ultradimensional fazer sua primeira aparição, pedindo carona
debaixo da forte chuva. Jim lhe cede o favor, mesmo com sua inocência apetando o
peito; na verdade, o jovem estava caindo de sono atrás do volante, por isso, a
carona pode ter sido somente para se manter acordado e não provocar algum
acidente. Então conhecemos John Ryder, misterioso, de poucas palavras e olhar
penetrante; não demora para o clima tenso começar a se desenvolver com uma sutileza agonizante.
Jim Halsey, o badboy não mais tranquilo.
É final de madrugada, e Jim desconfia
do passageiro quando o mesmo não responde suas perguntas básicas. Rutger Hauer
é imortal no papel de John Ryder: o cara tem pinta de galã, olhar de assassino
e voz de ditador; por algum motivo, ele me lembra do sádico Vilmer Sawyer
(Matthew McConaughey) em O Massacre da Serra-Elétrica – O Retorno (1994), só que MUITO
mais controlado e determinado, porque como todos sabem, Vilmer somente berrava
e se cortava nas transes da perna mecânica, já John Ryder tem uma classe única,
convincente e assustadora. Seu papel não é somente de um assassino preocupado
em aumentar o body count, mas sim armar uma sucessão de acontecimentos que
destruirá a vida do protagonista, ao mesmo tempo em que o ajuda, como se também
fosse um aliado.
Não demora nem 15 minutos de projeção
e já vemos o jovem Jim desesperado e rendido por uma faca, enquanto é obrigado
a dirigir pelo escuro deserto sem fim. Rola também a clássica cena em que
alguns trabalhadores e policiais bloquearam a pista para obras, e os dois são
abordados na blitz, no entanto, John consegue fazer com que nosso protagonista
se mantenha controlado e não tome nenhuma atitude sem pensar. Os jogos mentais
não param.
John Ryder, o galã cruel dos desertos.
Thomas Howell também é ótimo como Jim
Halsey, representando o típico adolescente americano, bonitão do colegial,
despreocupado e sem nenhum problema com os males do mundo. Talvez, o fator mais
interessante do filme seja a “evolução” do protagonista (decadência, na
verdade), passando de um jovem inocente e simpático para um homem frio e
amargurado. O “sequestro” no carro não dura muito tempo, porque em um momento
de desespero, Jim consegue jogar o assassino para fora do automóvel, já com o
dia amanhecendo no horizonte acinzentado. Gritando de alegria, o garoto parecia
estar a salvo, mas tudo estava apenas começando em sua jornada...
A questão é que John Ryder não se
limita somente com uma vitima, pois sem contar que já havia deixado um rastro
de sangue pela estrada solitária, algumas horas mais tarde, Jim é ultrapassado
na rodovia pelo carro de uma família tradicional, com crianças no banco traseiro;
John está lá dentro, e acena para nosso protagonista. O jovem faz de tudo para
avisar a família que eles vão ser mortos com a carona maldita, mas quase
provoca um acidente. A direção de Robert Harmon nunca mostra os corpos da família,
mas somente pela reação de Jim (vomitar), já sabemos que o estrago foi feio.
Ele começa a perceber que está ajudando o assassino sanguinário em um estranho
jogo, enquanto o mesmo usa modos suaves para seduzir suas vitimas. Aqui não
temos um roteiro típico de slasher movies, pois no lugar, Eric Red escreve um
drama cheio de qualidade e mistério, desenvolvido em um local que o protagonista
não pode receber a ajuda de ninguém.
Interior do mal.
São vários os encontros com o
assassino, isso transparece uma ideia de “alucinação”; é como se John Ryder
sempre estivesse um passo a frente de Jim, já deixando a situação montada para
o protagonista resolvê-la. Existem inúmeras cenas memoráveis e clássicas, como
a dramática explosão do posto de gasolina, que quase acaba com Jim e
basicamente destrói o veiculo que levava até a Califórnia; também a lendária
sequência que o jovem para em um restaurante de estrada e encontra um dedo enquanto
come as batatas fritas (essa cena é o poster da crítica). Como eu disse, Ryder sempre parece estar um passo a
frente, e Jim se vê numa situação que não tem saída nem escapatória.
No restaurante de estrada, ele procura
ajuda e conhece Nash (a bonita Jennifer Jason Leigh), uma jovem que trabalha no
estabelecimento (da sua família). Nash é a única que vai conseguir ter contato com
Jim durante esses acontecidos, e apesar do garoto estar em choque, ela consegue
se apegar em suas palavras. Não vou dizer que Nash é a final girl do longa,
porque aqui as regras mudaram.
A independente Nash.
De um jeito ou de outro, Jim acaba
sendo pego pelos policiais e acusado de TODOS os crimes que haviam acontecido
até então, e é aqui que as coisas começar a desandar para o personagem. Acho
muito foda como as expressões do garoto se tornam vazias e sem propósito.
Tantas coisas aconteceram com ele em um período tão curto de tempo, que nos
momentos livres, o jovem só consegue ficar pensativo e deteriorado. Após não
conseguir provar sua história para as autoridades, acaba sendo preso na
pequena delegacia do interior.
John Ryder vira seu pesadelo, o
destruindo e o ajudando. Ele aniquila a pequena delegacia somente para deixa a
cela do jovem aberta, fazendo Jim ter a possibilidade de escapar, mas ao mesmo
tempo, tendo que deixar uma pilha de corpos para trás, automaticamente se
tonando o PRINCIPAL suspeito dos assassinatos. Ryder é o assassino perfeito,
conseguindo armar situações que deixam o protagonista sem alternativa; se salva
e se incrimina, ou morre. Destaque para a cena do cachorro pastor-alemão comendo um dos
corpos (ouch...).
Marcas da guerra.
Jim se desmancha cada vez mais para
conseguir sobreviver: sequestra dois policiais e até mesmo tenta se matar com
um revólver (deixado para ele sem balas), em uma dramática cena. O garoto
inocente não existia mais, sufocado pelo jogo doentio de John Ryder. A produção
soube usar muito bem o orçamento, nos presenteando com ótimas cenas de ação bem
coordenas: temos mirabolantes perseguições pelo deserto montanhoso, inúmeros carros
capotados e destruídos, explosões cabulosas e até mesmo uma excelente queda de
helicóptero. Belo exemplo de como manter o drama independente da época.
Em certo momento da história, Jim
consegue encontrar a bonita Nash novamente, e convencê-la que é um inocente.
Funciona, porque a garota começa ajuda-lo na caçada sangrenta pelas estradas.
Nash não é burra como muitas final girls, e forma um belo casal com o
protagonista. A película sempre foca em Jim, colocando ele basicamente em todas
as cenas; isso é útil para vermos melhor as mudanças no personagem que pouco
conhecemos. De certa maneira, John Ryder deixa todas as formas possíveis para
Jim o matá-lo, mas isso só complicará mais ainda a vida do garoto perdido.
A criatividade é tudo.
Com uma armadilha mortal, Ryder
consegue capturar Nash e deixá-la amarrada entre dois caminhões. Com o pé
segurando a embreagem, o assassino consegue a atenção de Jim e dos policiais,
explicando para nosso protagonista, que aquela era a chance que tinha de finalmente
acabar com isso. Jim estava com a arma apontada para Ryder, e naquele momento
tinha que escolher: se matar o assassino, o caminhão andaria e Nash seria
cortada ao meio. Com a hesitação do garoto, Ryder solta o caminhão, e a
tragédia acontece em um piscar de olhos; Jim agora carrega a morte de Nash em
suas costas, sem capacidade o suficiente para ter evitado a tragédia.
Pego pela polícia, John Ryder se
mantem indiferente da situação (ainda rola a clássica cena que Jim cospe meio
litro em sua cara). Até mesmo as autoridades percebem uma conexão entre os
dois. No entanto, durante a transferência do assassino, nosso protagonista desarma um
policial, com o único objetivo de conseguir acabar com Ryder de uma vez por
todas; o garoto sabia que ele era muito inteligente e astuto para ser preso. A
solução tinha que ser a morte, obviamente.
Clássico assassino.
A sequência final é ótima e cheia de
ação. Vemos um embate entre os dois no meio da estrada ensolarada, sem ninguém
para impedir a morte eminente. Jim consegue atropelar o assassino com a viatura
e fuzilá-lo sem a menor piedade; Ryder morreu ali mesmo, na beira de uma
estrada qualquer, como acontecia com suas vitimas inocentes. Jim não tem mais
aquele sorriso nem o olhar despreocupado, enquanto observa o pôr-do-sol no
melhor estilo Mad Max (muito parecido mesmo, até a jaqueta de couro). Não
ficamos tão felizes, porque sabemos que mesmo John Ryder estando finalmente
morto, o garoto inocente se tornou um assassino sem remorso. Ele fez o jogo do vilão involuntariamente, etapa por etapa.
A trilha sonora final emite tristeza
e solidão, fazendo o público sentir que aquele não foi um final feliz. O jovem provavelmente ficou com a vida destroçada depois desses dias, independente que
em seu coração, se sentiu aliviado por ter acabado com o misterioso assassino.
Nada valeu a pena, mas no calor do momento, era o único que podia fazer.
A Morte Pede Carona (1986) é mais um ótimo
drama dos anos 80 e fica mais uma recomendação do Portal Tartárico. O filme teve
uma continuação lançada em 2003, trazendo Thomas Howell novamente como Jim
Halsey, e um remake em 2007, refilmagem direta deste aqui. O interessante dessa
obra de 1986, é que ela consegue sair diferenciada dos outros inúmeros slasher
que saíram naquela década, pois mantem uma atmosfera e história única, se
privando de clichês e trazendo situações inusitadas, que enriquecem as escuras
estradas sem lei do interior norte-americano. Vale a pena ser assistido, e
lembre-se desse aviso necessário: se alguém chamado John Ryder lhe pedir carona
algum dia, você acaba de morrer, moralmente e fisicamente.
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TRAILER DE 1986:
CONTAGEM DE CORPOS (número não exato):
Assassino John Ryder:
Motorista do fusca: morte offscreen.
Família viajante: assassinados no carro (morte offscreen)
Vários polícias na delegacia: mortos de diferentes formas (offscreen)
Dois policiais: fuzilados na viatura.
Grupo de policiais: carbonizados na queda de helicóptero e acidentes com as viaturas.
Nash: rasgada ao meio ao ser “esticada” por caminhão.
Três policiais: baleados na estrada.
Assassino Jim Halsey:
John Ryder: atropelado e estourado com espingarda calibre 12.
- {Agradecimentos pela ajuda do ilustre Cleiton Rattus} -
Bom na morte da garota era só a polícia ter atirado no motor com uma .50
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