AVISO
DE PERIGO: essa
crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por
risco próprio.
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Nos primórdios da década de 70, a
humanidade foi presenteada com muitas produções de terror dignas de serem
assistidas por todos. É só voltarmos um pouco no tempo, e somos atingidos por O
Exorcista (1973), Quadrilha de Sádicos (1977), ou então por Aniversário
Macabro (1972), Tubarão (1975), O Massacre da Serra-Elétrica (1974), Halloween (1978) e muitos outros; no meio de tantas opções perturbadoras,
encontramos a pérola Carrie – A Estranha (1976), um longa que merece ser
assistido por todos, e é essencial no gênero.
Baseado no romance homônimo do mestre
Stephen King (dispensa comentários, já tendo escrito em sua carreira Cemitério
Maldito, O Iluminado, IT e inúmeros contos do horror em literatura), a película
foi dirigida pelo ótimo Brian De Palma (que viria a produzir pérolas como
Scarface). Na verdade, esse é o primeiro livro de King que foi adaptado em
filme, gravado em apenas 50 dias. Temos aqui um ótimo elenco e uma trama
situada em acontecimentos cotidianos que realmente perturbam. Isso é somente
forçado com o assunto polêmico abordado, nos trazendo um realismo repleto de fantásia e situações sobrenaturais, como já é de se esperar nesse caso curioso.
No elenco encontramos a dramática
Sissy Spacek, Nancy Allen (de Robocop e Vestida para Matar), também P.J. Soles (a
Lynda de Halloween), Sydney Lassick (Um Estranho no Ninho) e até mesmo o jovem
John Travolta, que na época, ainda era um ator desconhecido. Portanto, vamos
começar:
O terror indispensável.
Carrie White (Sissy Spacek, se
embriagando na fonte da bizarrice) é uma garota tímida e excluída que possui
poderes telecinéticos (capacidade de mover objetos com a mente), e sofre na mão
de sua mãe EXTREMAMENTE religiosa e opressora (Piper Laurie), fazendo de tudo para “educar” a
filha com seus princípios escrotos. A menina é privada de tudo, inclusive
informações essenciais para a adolescência feminina, e é com isso que nossa
trama se inicia, após a aula de educação física da escola na qual Carrie
frequenta com sua timidez (na educação física, já percebemos que as outras
jovens zoam ela o tempo todo). É hora do banho e com uma suave direção bem
conduzida por De Palma, vemos a tranquilidade na sensualidade da menina, sua inocência
privada em curtos movimentos. No entanto, durante o banho, ela fica menstruada
pela primeira vez na vida, causando pânico imediato, pois a mesma acredita
estar morrendo ao ver todo o sangue. Obviamente todas as meninas começam a zoar
nossa estranha Carrie, especialmente Chris (Nancy Allen) e Sue (Amy Irving) que
literalmente ficam jogando vários absorventes nela, até serem impedidas pela
durona professora Collins, que acaba com a palhaçada.
Essa garota me dá medo.
Até mesmo o diretor e os professores
aparentam não considerar Carrie em nenhum momento, somente a professora
Collins, que após o acontecido, começou a ter pena da garota e procura
acostumá-la e introduzi-la no “mundão”. De fato, a menina come do pão que o
Diabo amassou, porque depois de chegar em sua casa, conhecemos o tratamento que
leva de sua mãe: apanha de bíblia (!!!), é arrastada pelos cabelos e obrigada a
ficar rezando em uma pequena espécie de santuário que a velha ostenta na casa.
As atuações são boas, principalmente de Sissy Spacek, dando um show de berros,
caras e bocas.
É claro que as alunas não iam passar
batidas com a brincadeira de mau gosto que fizeram no chuveiro, e a professora
Collins resolve fazê-las passar a semana tendo aulas extras de educação física,
porque se resolverem recusar, estariam impedidas de ir no famigerado baile de
formatura, que todas as meninas tanto gostam. Todas cumprem a penalidade, menos
Chris (que já percebemos se tratar de uma vadia mimada com carros e indiretas);
a ousada garota xinga a professora, e faz um belo baile, até receber um tapa da
mesma. Ofendida e proibida de ir ao baile, Chris desenvolve um ódio mortal de
Carrie, e resolve foder sua vida de uma vez por todas.
Norma & Chris, dupla agitada.
Diferente da resmungona Chris, Sue se
arrepende do que fez, e resolve dar um ultimato para conseguir ajudar Carrie a
se sentir bem novamente: desiste de ir no baile, e convence seu namorado Tommy
Ross (William Katt, parecendo o eterno Jon Bon Jovi), o rapaz mais cobiçado da
escola, a levar Carrie no baile de formatura, em troca da brincadeira que
haviam feito. No começo Carrie acredita se tratar de outra zoeira de mau gosto,
mas após receber o apoio da professora Collins, a garota resolve aceitar o convite inesperado.
Paralelamente, conhecemos o namorado
de Chris, Billy Nolan (John Travolta em ótima época), que não passa de um
badboy dos anos 70, com seu carro possante, cabelão descolado e ofensas
frequentes. Acompanhamos uma cena muito bizarra, em que Chris (enquanto cai de
boca no *** do namorado), conta sobre sua raiva eterna por Carrie, e
basicamente planeja uma vingança (!!!). A garota literalmente pega o rapaz em
um momento delicado (rsrs). Aqui temos a beleza do rock dos anos 60, no melhor
estilo de American Graffiti (1973), com aquele clima “adolescente descolado”
contagiante: jaquetas de couro, esconder cerveja da polícia, garotas
submissas...
Galã das noites de sábado.
A direção de De Palma lembra muito os
clássicos de Alfred Hitchcock (principalmente Psicose de 1960), com aqueles “cri-cri”
típicos da trilha sonora do eterno mestre do suspense, e até mesmo o nome da
escola “Bates High”, uma óbvia referencia a Norman Bates. É uma boa direção que
nos mantem presos, recheada com longos e exagerados closes, tomadas ousadas e
lentas que transparecem o realismo; a época também é retratada com fidelidade,
mantendo aquelas roupas chamativas e personalidades excêntricas que marcaram os anos
70.
Os assuntos tratados no filme são
polêmicos até nos dias atuais, como o bullyng escolar, o horrível fanatismo religioso
e até mesmo a descoberta da sexualidade que retira a inocência preservada; na
pele de Sissy Spacek isso se torna uma canção perturbadora com direita a um fim
indeciso. Nos anos que se seguiram, tivemos vários remakes desse clássico, como
em 2002 e 2013, esse último principalmente transparece uma Carrie muito mais
fofa e bonitinha, se tornando impossível “odiá-la” como o filme sugere, já aqui em
1976, ela é tão perturbadora quanto assustadora, realmente se tornando difícil querer
estabilizar alguma amizade; mesmo nos momentos que a vemos sorrindo ou “erguendo”
seu rosto abatido, as feições da garota assustam e marcam, com um olhar
penetrante que diz muitas coisas.
Recebendo apoio da professora Collins.
Durante um jantar, Carrie resolve
contar para sua mãe que vai ao baile com o cobiçado Tommy Ross, e a discussão come
solta. Acho interessante como a produção conduz essa cena de jantar: com luzes
de vela e um enorme quadro da Santa Ceia perpetuando na parede. A mãe da menina
não corta o papo religioso, joga bebida na cara da filha e insinua que a mesma
está possuída (curioso, parece que a situação é vice-versa...). Carrie se
mantem forte e age independente, afirmando que não importa o que aconteça, ela irá
sim ao tal baile.
Enquanto isso, Chris começa a planejar
sua vingança junto do namorado Billy. Ao lado de um grupo de arruaceiros, eles
vão até um matadouro no meio da madrugada (eterna sequência, uma das mais
lembradas), com o objetivo de assassinar algum porco para conseguir sangue. Pra
quem ainda não matou a charada, eles pretendem armar um balde com sangue em
cima do palco do baile, e depois de falsificar os votos que decidem a rainha do
evento (fazendo Carrie ganhar), viram o conteúdo vermelho em cima da garota
quando a mesma subir no palco para receber a premiação. Um plano perturbado e desnecessário,
que só poderia ser protagonizado por uma garota retardada como Chris. John
Travolta e suas paixonites ilustres e submissas.
Invadindo o matadouro.
Tudo está correndo na maior
tranquilidade: as garotas estão se arrumando nos salões de beleza, os rapazes
comprando seus smokings, o grande ginásio da escola sendo preparado para os
embalos de uma bela noite animada... Até mesmo Carrie se arruma com um vestido
decotado e maquiagem improvisada, conseguindo se sentir livre pela primeira vez
na vida. A mãe dela? Quando vê a filha arrumada começa a gritar ofensas e se auto
machucar para tentar convence-la de ficar em casa. Carrie não muda de ideia e
até usa seus poderes para controlar a velha obcecada. Quando Tommy chega para buscá-la,
a aventura que mudará sua vida estava apenas começando. Os dois chegam ao baile
como se já fossem velhos conhecidos, e Carrie logo é contagiada pelo clima.
Outro destaque são as cenas que
mostram sua mãe sozinha em casa, enquanto a filha se “rebela” no baile. A
mulher protagoniza momentos bizarros, extremamente realçados pela direção
bruta; como no momento em que ela pega uma enorme faca e começa a batê-la na
mesa como se fosse um robô comandado, mesmo depois de já ter acabado de cortar
a cenoura. Essas cenas realmente dão medo, e recomendo muito para os leitores mais atentos.
Mulher perturbada.
Tommy prova ser o maior camarada
sabichão: ele trata Carrie com respeito e igualdade, a elogia, combina de darem
um role depois do baile... Até mesmo a leva na pista de dança e protagoniza o
clássico beijo com a câmera rodando em volta (entretanto, De Palma roda tanto a
projeção que chega a dar tontura). Mesmo desajeitada, Carrie esta provando uma
noite repleta de mudanças e inovações, e nunca poderia imaginar que uma
tragédia estragaria tudo.
Em certo momento, Sue (namorada de
Tommy) descobre que vão pregar uma peça em Carrie, e tenta desesperadamente
chegar ao baile antes que aconteça. No entanto, como todos devem saber, o pior
estava apenas começando naquela noite.
O casal de uma noite só.
A votação do casal premiado é
anunciada, e quem ganha é Carrie e Tommy (com os votos forjados por Chris e os
amigo). É gratificante poder ver Carrie sorrindo no final das contas, depois de
tanta falta de carisma; a garota é bonita e consegue se cativar profundamente
com os aplausos que a seguem até o palco. A sequência que se segue é dramática não
importa o tanto de vez que assista o filme, e muito bem conduzida; com uma
trilha sonora tensa e total câmera lenta, acompanhamos os momentos
perturbadores que antecedem a queda do balde cheio de sangue. E quando isso
finalmente acontece, já estamos vidrados na película. Sem contar o banho de
sangue que a coroada recebe, o pesado balde de chumbo despenca e acerta Tommy
em cheio na cabeça, provavelmente matando o rapaz. A edição do filme capricha
quando as expressões de Carrie mudam de água para o vinho, relembrando ofensas
antigas na memoria, e com os olhos arregalados, mandando o local todo para o
inferno de uma vez só... É tesão puro!!!
Fodeu. Esse olhar...
Pessoas são esmagadas, eletrocutadas,
arremessadas, incendiadas... Tudo isso com ótimos efeitos especiais e sonoros,
lembrando muito os filmes de Hitchcock; a edição também divide a tela “em dois”
em muitos trechos dessa cena (como um jogo com dois playes em tela dividida),
para podermos acompanhar muito mais da destruição provocada pela garota
atormentada. Nem mesmo a professora Collins é perdoada, sendo esmagada contra
uma placa (nos próximos filmes isso é alterado).
Depois de incendiar o ginásio, Carrie
sai desgovernada e ensanguentada pelas ruas escuras, e ao tentar ser atropelada
por Chris e o namorado, ela faz o carro capotar inúmeras vezes e explodir em um
terreno baldio. Os dois mereceram muito, no final das contas. Procuraram e acharam.
Ao chegar em casa, Carrie toma um
banho e encontra sua mãe, contando que zombaram dela e a noite foi horrível,
nessa cena, a mulher conta que provavelmente Carrie tenha vindo depois que ela
teve relacionamentos sexuais com um homem possuído, gerando a menina com
poderes. Bizarro, não?... Então temos outros momentos tensos, quando a mãe
tenta assassiná-la, enfiando uma enorme faca em suas costas, mas Carrie se
defende após o golpe, basicamente fazendo todos os objetos pontudos pregarem em
sua mãe fanática, a crucificando na parede assim mesmo como aconteceu com sua “fonte”.
Um final trágico (ou não).
A casa começa a tremer e desmoronar
aos poucos, Carrie tenta resgatar o corpo da mãe, mas elas acabam sendo
soterradas juntas, na frente da estátua de Jesus Cristo na qual Carrie era
obrigada a rezar. Com o desmoronamento, a menina morre e é enterrada ali mesmo
com os escombros amaldiçoados. Após isso acontecer, já nas cenas finais, vemos
Sue, a verdadeira pessoa que se preocupou com Carrie, indo até o local que a
menina morreu, e ao deixar flores, é puxada por um braço ensanguentado (no
melhor estilo que o gênero pode proporcionar em tantos anos). Sue acorda e
vemos que foi um pesadelo, já sabendo que perdeu seu namorado Tommy e todos os
amigos próximos, a garota berra angustiada, dando impressão de que o passado e
a culpa vão atormentá-la pelo resto da vida.
Carrie – A Estranha (1976) vale a
pena ser assistido, não somente pelo valor nostálgico e perturbador, mas também
pela boa história e ótima adaptação. O filme não teve nenhuma continuação, mas dois remakes até o momento. Os livros de Stephen King viraram uma
fábrica de filmes bons e ruins, que marcaram não só várias gerações, como
continuam perpetuando fortemente até hoje. São contos memoráveis transformados
em películas raras que certamente agradam todos que apreciam um bom entretenimento.
Forte e fiel, o trabalho segue com lealdade e determinação.
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TRAILER DE 1976:
CONTAGEM DE CORPOS (número não exato):
Assassina Carrie White:
Vários estudantes: afogados por mangueira em jato.
Sr.Morton: eletrocutado por microfone.
Vários estudantes: eletrocutados.
Sra. Collins: esmagada por uma enorme viga de placa.
Sr. Fromm: eletrocutado e queimado.
Vários estudantes: queimados vivos.
Billy: acidente de carro e carbonizado.
Chris: acidente de carro e carbonizada.
Margaret White: crucificada na parede com facas de cozinha.
OUTRAS MORTES:
Carrie White: facada nas costas, soterrada por casa.
Tommy Ross: golpeado na cabeça com balde de chumbo.
Porco: assassinado a marretadas por Billy no matadouro.