quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

A Hora do Pesadelo 7 - O Novo Pesadelo (1994) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
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Ao longo dos anos, a franquia A Hora do Pesadelo provou ser um dos maiores sucessos que o gênero já teve. Seus filmes fizeram milhares de dólares, introduziram histórias completamente interessantes ao cinema do horror e nos presentearam com muitos personagens cativantes que ficaram guardados na memória, tudo isso iniciado pelo mestre Wes Craven lá em 1984. O poder desta franquia é incrível: é um mundo de imaginação que nunca acaba! Temos uma saga completa em filmes, quadrinhos (sim!) e até mesmo um seriado de televisão sobre o vilão Freddy Krueger (lançado entre 1988 e 1990). Sem contar que cada produção foi deixando seu legado para os amantes e até mesmo salvando a distribuidora New Line Cinema de uma época obscura. No entanto, mesmo com ótimas músicas e boas mortes, cada capítulo foi perdendo sua qualidade, nos enchendo com situações ridículas e previsíveis; o último (sexto) capítulo, intitulado Pesadelo Final – A Morte de Freddy (clique aqui para ler) foi um dos piores erros que aconteceu na saga, basicamente jogando Freddy Krueger em um abismo de palhaçadas. Isso foi lá em 1991, fazendo a franquia ficar adormecida por algum tempo após a New Line matar Freddy, mas com o aniversário de 10 anos do primeiro filme chegando, ninguém menos que o próprio Wes Craven resolveu retornar para sua obra. Resultado? Temos um dos melhores capítulos já feitos (o meu preferido depois do primeiro), com trama genial e inédita na franquia. O diretor trouxe antigos personagens de volta, trilhas sonoras, situações oníricas que adoramos e, é claro, Freddy Krueger em um bombástico desempenho... Injustamente, esse foi o Pesadelo que menos lucrou nas bilheterias mundiais (aproximadamente 19 milhões), já demonstrando o desgaste do gênero no decorrer dos anos 90.

Hoje também é um dia importante no Portal Tartárico, pois com essa crítica terminamos a segunda maratona que venho publicando no último um mês e meio. A franquia A Hora do Pesadelo foi analisada detalhadamente, e deixei bem claro suas qualidades e erros. Agora que chegamos ao final, em Pesadelo 7, posso afirmar que esses filmes sempre serão eternos e nostálgicos, e assisti-los mais uma vez (agora os analisando) foi muito bom! Melhor ainda, é escrever sobre um filme tão marcante em minha vida, como esse aqui! No final dos anos 90 e começo dos 2000, não era difícil encontrar essa fita nas locadoras, atualmente já se tornou item de colecionador.

O novo visual do Mestre dos Sonhos.

Desta vez, o enredo FINALMENTE conseguiu ser inovador. Podemos esquecer todos os capítulos da franquia e levar em conta somente o primeiro filme lançado lá em 1984 (clique aqui para ler). Pois bem, já parou para pensar o que aconteceria se, após o sucesso do primeiro A Hora do Pesadelo, os atores e membros da produção fossem realmente perseguidos por Freddy Krueger? É isso que acontece em Pesadelo 7! Acompanhamos o eterno vilão conseguindo invadir o “mundo real” e perseguindo os envolvidos na gravação do filme. Isso parece estranho, não é mesmo? Mas acredite, Wes Craven consegue coordenar tudo de uma maneira genial! Mesmo lançado 10 anos após o original, a atmosfera é idêntica e cheia de homenagens, provavelmente o fator mais positivo. Logo na primeira cena já sentimos que a nostalgia é pesada, ao ouvirmos a maravilhosa trilha sonora de volta (clique aqui para ouvir), e acompanharmos a construção da arma famosa de Freddy Krueger: suas luvas com garras, só que desta vez mecânicas! É parecido com o começo do primeiro filme, mais embalado, porém menos sombrio. De repente um dos efeitos especiais dá errado e percebemos que estamos no set de um filme! Logo vemos a maravilhosa Heather Langenkamp, que interpretou Nancy Thompson no primeiro Pesadelo! Ela está no set de filmagens com seu filho pequeno Dylan (Miko Hughes de Cemitério Maldito), e seu marido Chase (David Newson), responsável por administrar os efeitos especiais. Tudo dá errado durante as gravações, e a luva mecânica ganha vida inesperadamente, atacando dois assistentes de Chace e os assassinando brutalmente. Quando tudo parece uma tragédia inevitável e sangrenta, Heather acorda durante um terremoto: era um pesadelo.

Nancy, sua linda! <3

Pois bem, nesse filme os atores interpretam eles mesmo na vida real, ou seja, vamos acompanhar a vida da própria Heather (Nancy). Ela vive numa mansão em Los Angeles com o filho e marido, e vem recebendo ligações amedrontadoras de um fã obcecado (um stalker), que adora assustá-la cantando a canção de Freddy pelo telefone. É maravilhoso poder ver Heather novamente na franquia, sua evolução é visível em cada detalhe da atuação, ela não é mais aquela adolescente tímida de 10 anos atrás, e sim uma mulher independente e majestosa (sem contar que está linda)! Naquele dia ensolarado, Heather tem uma entrevista agendada em um programa de televisão para falar sobre seu sucesso na franquia Pesadelo. Ela deixa seu filho com a babá Julie (Tracy Middendorf), mesmo sabendo que ele está sofrendo com pesadelos, provocados pelo fato do garoto assistir o Pesadelo original escondido da mãe (principalmente a clássica parte da escola). Já seu marido está trabalhando secretamente em um novo filme.

Durante a entrevista, Heather é surpreendida quando o próprio Robert Englund aparece caracterizado como Freddy Krueger, para animar o programa (a única cena que temos a maquiagem clássica do vilão). Após a entrevista, ela é chamada para uma reunião com Robert Shaye (diretor da New Line e produtor dos filmes da franquia), sendo pega de surpresa ao ser convidada para participar de um novo filme, o qual tem seu marido trabalhando nos efeitos especiais. Heather recusa devido ao fato de ter um filho pequeno agora (ainda por cima sofrendo pesadelos), por isso não quer mais fazer filmes de horror.

Heather e Wes Craven, que dupla!

O garotinho Dylan é sonâmbulo, e começa a ser possuído lentamente por Freddy Krueger, que está procurando um meio de invadir o mundo real. Não é como a possessão mostrada em A Vingança de Freddy (clique aqui para ler), aqui é uma parada muito mais sobrenatural, envolvendo o pequeno garotinho em um mundo onde não pode fazer nada. Heather percebe o que está acontecendo somente quando tem um pesadelo com a morte do marido, poucos minutos antes de acontecer. O rapaz sofre um grave acidente após dormir ao volante, e ser estripado pelas lâminas do vilão. A produção capricha em cada pesadelo (assim como no filme original), deixando cenas que ficam marcadas em nossa memória. Quando estamos no mundo onírico, até mesmo a trilha sonora muda, se tornando grandiosa, deixando o caminho aberto para um mundo de fantasias e imaginação. Temos muito mais foco nas garras que Freddy usa, realmente as tornando assustadoras! As aparições do vilão sempre são rápidas e marcantes, como na cena em que aparece dentro do caixão durante o velório de Chase.

Por falar em Freddy, vemos o assassino somente no final, mas o filme é tão bem orquestrado que sentimos sua presença macabra em todos os momentos, mesmo estando ausente. Quando aparece, vemos Freddy como nunca foi mostrado, frio e completamente sedento por sangue, extremamente parecido com um demônio violento e perturbado. O pesadelo voltou a ser assustador. Esqueça as piadas sem graça e desempenhos afetados, Krueger está perfeito! A maquiagem também dá gosto, muito mais agressiva e amedrontadora. O vilão usa um estiloso sobretudo preto, o deixando mais assustador que nunca!

Outro mito respeitado! Eterno Robert Englund!

O que Freddy precisa para ter poder?... Precisa que tenham medo dele. E é exatamente isso que começa a acontecer com Dylan após o garoto perder o pai e assistir inúmeras vezes o primeiro capítulo da franquia, deixando uma brecha para o vilão se fortificar lentamente. O próprio Wes Craven faz várias aparições durante o filme, em uma delas avisa para Heather, em uma reunião, que a franquia A Hora do Pesadelo carrega uma espécie de maldição demoníaca, eles precisam continuar produzindo esses filmes para manter o demônio preso. Por isso eles estão fazendo produzindo um novo, e Craven precisa que Heather interprete Nancy mais uma vez. Mesmo em contradição consigo mesma, ela retorna as suas origens involuntariamente, levando em conta o pesadelo que se tornou a vida real. É muito foda.

Com a piora de Dylan, ela o leva no hospital, onde o garoto fica sendo cuidado pela enfermeira-chefe opressora Dra. Christine (Fran Bennett), que suspeita dos problemas psicológicos de Dylan, o deixando em observação (inclusive, em um pesadelo Freddy aparece disfarçado como a enfermeira, assim como já havia feito em outros capítulos).

Dylan afirma que seu dinossauro de pelúcia (chamado Rex) o protege durante os pesadelos, como um guardião. Quando Heather se ausenta do hospital para buscar o brinquedo (deixando o filho com a babá Julie e pedindo para não deixá-lo dormir em nenhuma circunstância), as enfermeiras malditas conseguem sedá-lo achando que o menino está precisando descansar! O que segue é uma das melhores cenas da franquia, com Dylan adormecendo e presenciando Julie sendo brutalmente assassinada em seu pesadelo. O body count do filme é pequeno, mas vale cada segundo. Freddy arrasta o corpo da garota pelo teto, assim como fez com Tina lá no primeiro filme.

Essa cena é muito linda.

Também existem muitas outras homenagens ao primeiro filme: degraus que derretem, Freddy levantando debaixo do lençol ou então com os braços gigantes (sua marca registrada), temos também a clássica cena da língua atravessando o telefone... Algumas referências somente os fãs mais atentos consegue identificar, como na hora que Nancy fala “screw your pass!” para uma das enfermeiras do hospital, ou quando Jsu Garcia (que interpretou o badboy Rod Lane no primeiro Pesadelo) faz uma breve aparição no enterro de Chase. Outro personagem que retorna com tudo é o tenente Donald Thompson (John Saxon, o mito). Temos até uma homagem a O Exorcista (1973), quando Dylan vomita no hospital. Craven respeitou a sua obra original como nenhum outro capítulo da franquia conseguiu fazer.

Freddy consegue chegar silenciosamente no nosso mundo, e prender Dylan no dele. Para chegar até o filho, Heather toma inúmeros comprimidos infantis para dormir, em uma sequência sensacional! A montagem é muito bem feita: vemos ela tomando as drogas e ficando sonolenta ao entrar debaixo do lençol, fazendo o local se tornar cada vez maior... Ela já está no pesadelo. O interessante é perceber que seu cabelo vem ganhando tonalidade cinza, muito devido a loucura e terror que presenciado passado ultimamente.

Freddy's coming for you...

O local que acontece o clímax é como se fosse uma antiga fábrica abandonada, porém muito grotesca e com uma imensidão fantasiosa, parecida com os esgotos subterrâneos da lavanderia Blue Ribbon em Mangler - O Grito do Terror (1995), outro filme que Robert Englund está envolvido. Ela une forças com o próprio filho para destruir o demônio onírico, o prendendo dentro da fornalha antes que ele conseguisse devorar a cabeça de Dylan abrindo uma boca enorme (!!!). A cena lembra bem aqueles exageros que tivemos em alguns capítulos, de alguma forma, isso acaba criando uma conexão saudável e prazerosa entre todos os filmes.

Freddy é destruído novamente, desta vez sendo afugentado pelo fogo, seu velho inimigo que lhe arrancou a humanidade. Antes de morrer, seu rosto se transforma em uma espécie de demônio com chifres, provando que o personagem é muito mais do que um comediante fanfarrão que “pintou o sete” no último filme. Esse sim é um final digno para o eterno vilão dos sonhos. Não posso deixar de mencionar a bizarra cena em que sua língua gigantesca se enrola em Nancy (!!!) pouco antes de ser esfaqueada por Dylan. O filme parece carregar algumas mensagens relacionadas à pedofilia (em muitas horas), mas nada comprovado.

O drama pelos olhos de uma criança.

Nancy consegue ficar viva com seu filho e, querendo ou não, ela interpretou Nancy mais uma vez. Wes Craven deixa um roteiro para ela, narrando exatamente o filme que acabamos de acompanhar (fala por fala), agradecendo por concluir essa história após tanto tempo. Mesmo depois dos inúmeros vacilos, a franquia conseguiu se salvar com um ótimo filme, e um ótimo final. Esse é o valor resgatado que encontramos aqui: sentimos novamente aquele pavor pelos sonhos e pesadelos, mas desta vez, nem ficar acordado era seguro.

O Novo Pesadelo (1994) é um presente para os fãs! Como sou um, posso afirmar que a franquia A Hora do Pesadelo continua sendo uma de minhas preferidas, e sempre vai ser (não só minha). Depois desse filme, a New Line deixou as produções do Mestre dos Sonhos paradas por quase 10 anos, enquanto fazia os preparativos para o aguardado duelo de titãs Freddy vs Jason, lançado somente em 2003. Pelo lado bom, Wes Craven não parou com suas ótimas histórias e, alguns anos mais tarde, em 1996, ele lançou a franquia Pânico, outro sucesso estrondoso de bilheteria, que influenciou uma geração! Mesmo com outras produções (me refiro ao péssimo remake lançado em 2010), os filmes clássicos de Freddy Krueger acabaram nesse capítulo aqui, deixando uma grande quantidade de boas lembranças e momentos no gênero do horror. Fico pensando o que aconteceria se o diretor não tivesse retornado e salvado a franquia de morrer com o péssimo sexto filme... Ele soube começar e terminar sua obra de forma única. Obrigado mestre Wes Craven, por todos os pesadelos!
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TRAILER DE 1994:

CURIOSIDADES:
1) Na vida real, Heather também teve um stalker perseguidor, assim como no filme. Wes Craven ficou sabendo do fato e colocou o elemento na história.

2) A filha de Wes, Jessica, faz uma ponta como enfermeira.

3) Wes queria que Johnny Depp voltasse na franquia, para fazer uma aparição especial durante o velório de Chase, mas nunca teve coragem de pedir. Após o lançamento, Depp afirmou que sem dúvidas faria a participação.

4) Antes de começar a trabalhar no roteiro, Wes assistiu novamente todos os capítulos lançados, decidindo não fazer uma história baseada nas continuações.

5) No primeiro filme, Wes já queria fazer um Freddy muito mais obscuro, mas foi censurado pelo estúdio. Já aqui, teve direito de fazer exatamente do jeito que sempre desejou.

6) As roupas de Heather e John Saxon no final do filme são as mesmas que usaram no final do primeiro filme.

7) O verdadeiro marido de Heather também trabalha com efeitos especiais, e faz uma pequena ponta no filme.

8) A cena da língua no final demorou 2 dias para ser filmada.

9) Na cena que Dylan esfaqueia a língua, é possível ouvir a trilha sonora de Psicose (1960).

10) O ator mirim Miko Hughes era fã de Freddy Krueger, por isso ele ficava todo dia vendo aplicarem a extremamente lenta maquiagem de Freddy em Robert Englund.

11) No roteiro original, havia uma cena que Englund tinha um pesadelo com Freddy, ficando preso em uma teia gigante (Freddy aparecia como aranha), mas a ideia foi excluída por não combinar no contexto do filme. Inteligente, por sinal.

12) Originalmente, o filme iria se chamar A Nightmare on Elm Street 7 - The Ascension.

CONTAGEM DE CORPOS (4):
Assassino Freddy Krueger:
Chase: peito rasgado com golpes de garra, posteriormente causando um acidente de carro.
Julie: costas e pescoço rasgados, arrastada pelo teto ainda viva.
OUTRAS MORTES:
Chuck: atacado na garganta pela luva mecânica.
Terry: atacado no peito pela luva mecânica.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

A Bruxa de Blair (1999) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
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Hoje a crítica vai ser bem diferente, principalmente porque a projeção Bruxa de Blair não carrega nenhum segredo complexo nem subtramas que precisam ser exploradas com mais detalhes. O filme é simples e muito eficiente, por isso, sem contar a análise do enredo, vocês vão encontrar MUITAS curiosidades nessa crítica. Enfim, mesmo chegando ao mundo em 1999, Bruxa de Blair já pode ser considerado um clássico do terror. O filme fez enorme sucesso nas bilheterias e quebrou inúmeras barreiras que o gênero não tinha alcançado até então, com um dos 100 maiores faturamentos americanos de todos os tempos, basicamente enriqueceu as possibilidades com seu formato agonizante de pseudodocumentário amador. Só para ter noção do sucesso, essa porra custou 35 mil dólares e faturou 250 milhões no mundo todo; foi um grande representante em nosso território nacional.

A produção traumática ficou marcada por ser caseira e despreparada, proporcionando o forte realismo que acompanhamos durante os 88 minutos de projeção. O filme foi vendido como história real (os atores usaram seus próprios nomes nos personagens para fortificar a ideia), e esse foi o truque que mais colaborou no sucesso estrondoso pelo mundo: as pessoas realmente acreditavam se tratar de fatos verídicos, e que as gravações foram encontradas (perdidas em latas pela floresta) após o acontecido. A triste história dos três jovens que se perderam em uma floresta assombrada e são consumidos pelo medo, já assombrou milhões de pessoas até os dias atuais. Eu sempre fui muito obcecado nessa obra, inclusive, assistia pelo menos 4 vezes por semana durante muito tempo; a narrativa te prende muito fácil, mostrando uma situação que aparenta ser real e pode acontecer com qualquer um. Até mesmo a versão dublada é boa, apesar da legendada continuar superior (ao agregar mais do drama necessário). Ótimo terror para se assistir em um domingo à tarde, deitado tomando uma cerveja, ou em uma bela noite com as luzes apagadas.

Heather sendo filmada por Josh.

Existem muitos malucos que adoram criticar a produção pelo fato da tal bruxa nunca aparecer em nenhum momento. É claro, se você for assistir esperando pilhas de corpos, banhos de sangue e uma bruxa supérflua, provavelmente vai se decepcionar. Tenho prazer em saber que as gravações são muito mais do que esses clichês efetivos no gênero; a história é calma, lenta e, por vezes, parada. No entanto, ela recompensa sendo tenebrosa, agonizante e totalmente interessante. Nunca assista Bruxa de Blair em uma ocasião descontraída, com bastante conversa e clima animado, isso vai estragar o valor do filme. Procure apreciá-lo concentrado nos acontecimentos, principalmente com o som alto, para se ter a melhor experiência possível; também recomendo, se alguém tiver a oportunidade, de assistir a projeção nas boas fitas VHS, que por se tratarem de autênticos rolos de filme, enriquece as imagens amadoras e tenebrosas. Sinta a energia. Cinema é sentimento.

Em outubro de 1994 três estudantes desapareceram em uma floresta perto de Burkittsville, Maryland, enquanto filmavam um documentário...
Um ano depois, as imagens foram encontradas.

É com essa frase macabra que a projeção começa, logo conhecemos Heather, Josh e Mike (todos os atores usando seus nomes verdadeiros para agregar realismo) um grupo de amigos que estão indo passar a noite em uma floresta supostamente assombrada em Burkittsville, no estado norte-americano Maryland, produzindo imagens (e visitando locações) para um documentário intitulado “The Blair Witch Project”. Para quem ainda não sabe, são os próprios atores que gravam o filme (como em Atividade Paranormal), contando com duas câmeras emprestadas para o trabalho: uma grava colorido e a outra em preto e branco. São dessas lentes que vamos acompanhar o drama vivido pelos três jovens durante aproximadamente sete dias.

Logo no começo, no primeiro dia, é tudo muito tranquilo, eles vão ao mercado fazerem as compras, bebem uísque, dão boas risadas... Porém, estão sempre curiosos para descobrir sobre a lenda da Bruxa de Blair. Antes de entrarem na floresta, os três saem pelas ruas da cidadezinha perguntando para os moradores se acreditam na tal bruxa. É nessa parte que o filme já ganha o público necessário, pois o assunto é bastante polêmico, e vários moradores têm opiniões diferentes sobre o caso. Um dos velhos entrevistados conta uma história muito interessante, sobre um homem que morava nas montanhas e provocou a morte de sete crianças pequenas (revelando o crime na cidade ao falar: “finalmente terminei”, levantando a teoria da bruxa ser um homem). Outro conta sobre uma garota desaparecida pela região que apareceu na varanda da casa da avó algum tempo depois, afirmando ter avistado uma “velha que nunca tocava os pés no chão”. É quente.

Chegando na floresta de Burkittsville.

Uma das pessoas entrevistada, um rapaz com seus vinte e poucos anos, afirma que sua avó contava vários contos macabros, revelando que a bruxa posicionava uma criança virada para a parede enquanto matava a outra, porque não conseguia suportar seus olhares. Obviamente, os três tratam tudo como velha lenda local. Heather é a mais extrovertida, sempre “contente por estar em um documentário de verdade”, nas suas palavras animadas. Já Josh é o sujeito pacatão e reservado, na maioria das vezes ele é a cabeça da equipe, com seu cabelão liso e corpo magrelo. Mike é o gordinho que todo mundo gosta, porém ele é o primeiro que perde a sanidade quando as coisas saem de controle.

Também entrevistam uma velha charlatona chamada Mary Brown, que afirma já ter tido um encontro com a Bruxa de Blair, ainda quando criança, enquanto pescava com seu pai. Ela conta que a tal bruxa ficou parada a observando entre as árvores, usava um xale comprido e tinha o corpo completamente cheio com pelos curtos e grossos, parecido com pelos de cavalo. Apesar disso, a cidadezinha inteira considera Mary Brown uma louca sem rumo, principalmente pelos hábitos incomuns e atitudes afetadas que ela demonstra.

Witchcraft? oh yeah.

No segundo dia, eles gravam tudo que precisam para o documentário, passando por locações extremamente interessantes no meio da floresta fechada. Com a câmera preta e branca, os jovens produzem as imagens que iram para o projeto final. Já a colorida é usada (principalmente por Heather) para gravar tudo o que vão fazendo pelo percurso, como se fosse os vlogs atuais. Portanto, o filme é em cores na maior parte do tempo, a câmera preta e branca é mais utilizada no começo e no final. Na primeira vista, parece um filme tranquilo, com um clima empolgante e dedicado por parte dos jovens, bastantes risadas, piadas na hora de escalar alguma elevação, fogueira do lado da barraca... Porém, certo clima é sentido (não por eles, mas pelo público curioso) correndo pelas árvores de troncos finos. A floresta é solitária e agonizante, sem quase nenhuma vida, nem mesmo selvagem, somente um estranho rato morto é encontrado por eles no percurso. Destaque para uma das locações que o trio passa na trilha de Black Hill: “Coffin Rock”, uma enorme pedra negra na beira do lago, a qual foi palco de uma história assustadora. Deixarei a história escrita abaixo, nas exatas palavras de Heather:

“Vieram preparados para encontrar a morte, mas o que encontraram foi a profanação da humanidade em um lugar que os caçadores se referiam como Coffin Rock... No topo da formação rochosa, se desenrolou a história de tortura imposta a esses cinco bravos homens, um preso ao outro, cada mão estava presa ao pé do outro, formando uma estrutura sólida de homens. Sangues nas cabeças indicavam que seus atos foram cometidos enquanto estavam vivos e capazes o bastante para lutar; os intestinos foram arrancados cruelmente do corpo de cada homem, em seus rostos pálidos foram escritas palavras indecifráveis, cortadas em suas peles com precisão impressionante.
Os caçadores ainda cobertos de horror pelo o que aconteceu, deixaram o local rapidamente para chamar o xerife e não copiaram a escrita ou removeram os corpos da pedra... Quando retornaram, abutres foram vistos na pedra, porém na busca, os corpos haviam sido removidos não se sabe por quem... O grupo de busca disse que o cheiro de morte ainda era forte, e quem retirou os corpos fez isso em apenas algumas horas... Isso aconteceu aqui, em Coffin Rock.”

Assustador, não?... Mas enfim, no terceiro dia, as coisas começam a darem errado. Primeiro eles se perder na trilha que constava no mapa, e Heather insiste que estão indo na direção certa. Os desentendimentos começam, principalmente por parte de Mike, já cansado e desconfiado que estejam perdidos. Quando chegam em uma das locações, encontram inúmeras pilhas de pedra bem posicionadas entre as árvores, como se estivessem marcando algum local; uma espécie de cemitério indígena, como deduziu Josh. As pedras aparentavam terem sido organizadas recentemente, isso indica que pessoas poderiam estar morando naquela região. Josh sem querer, esbarra e desmancha uma das pilhas ao tropeçar. Naquela noite, ouvem barulhos na floresta enquanto dormem na tenda, estalos no meio da madrugada, como se fosse o barulho de várias pessoas correndo. A princípio, eles pensam ser alguém tentando sacaneá-los, mas ninguém sabe que estão lá.

O explosivo Mike.

No chuvoso quarto dia, continuam tentando voltar para o carro, mas acabam errando o caminho novamente. Já preocupados, eles começam entrar em conflito pelas discussões sobre qual caminho é o certo (mesmo checando o mapa, não conseguem se localizar). Mike é o primeiro que perde a cabeça com seus berros pela floresta inóspita e, quando a noite cai mais uma vez, os três se encontram completamente fodidos. Inclusive, já eram para estarem em casa, pois na manhã seguinte precisam ir trabalhar e devolver as câmeras! Novamente os barulhos predominam sutilmente na madrugada, cada vez mais audíveis (já ouviu alguma folha de coqueiro ou palmeira caindo? É o mesmo som).

Como usavam a câmera preta e branca para filmarem o documentário oficial, sempre existem tomadas assustadoras durante a ausência de cor, geralmente mais focadas e com melhor dinâmica. Boa parte do filme é tela preta sem perdão, somente com os sons dos jovens conversado e do ambiente, principalmente durante as noites. O grau de realismo é muito forte, devido ao fato dos atores estarem realmente “perdidos” e desesperados naquela floresta durante as gravações; confiram as curiosidades que deixei no final da crítica, vocês vão encontrar muitas coisas interessantes!

Enfim, a situação só vai piorando nos próximos dois dias: eles acordam com várias pilhas de pedra ao redor da tenda, e o mapa desaparece. As discussões explodem quando Mike revela (gargalhando) ter chutado o mapa dentro do riacho em um momento de frustração. É isso ai! O desgraçado jogou fora a única chance que tinham de sair daquele lugar maldito! Gostaria de poder conseguir descrever o drama que esse jovens passaram, mas é impossível. A cena que Heather chora por pressão de Josh é sensacional, puro improviso dos atores. Por cima, eles descobrem estarem andando em círculos.

JOOOOOSH! JOOOOSH! KKKK

Desesperados e sem rumo, eles continuam seguindo pela floresta e acabam encontrando várias figuras e imagens construídas rusticamente, penduradas pelas árvores não se sabe por quem. É assustador. Heather se encontra obcecada por continuar gravando o documentário, registrando cada momento, enquanto é contrariada pelos dois rapazes, já perdendo a sanidade de suas mentes. O mais tenebroso é saber que alguém construiu aquelas figuras... Alguém que parece estar perturbando aquele local... Mas quem? Quem estaria fazendo isso pela floresta?

Naquela madrugada, de dentro da tenda, eles ouvem crianças chorando em algum lugar da floresta. A barraca também é atacada (chacoalhada violentamente), os fazendo fugirem pela penumbra. Todos os pertences dos três são quebrados, e uma gosma translúcida é encontrada nas coisas de Josh. Isso era um sinal, porque na quinta noite, Josh desaparece durante a madrugada (eles descobrem só quando acordam de manhã). Posteriormente, em uma das cenas mais angustiantes, Heather encontra os dentes e língua de Josh enrolados em um pedaço de sua camisa xadrez, abandonado ao lado da barraca. Ela fica atormentada, já sabendo o destino que terão, mas resolve não revelar nada a Mike para não piorar a situação. Não tinha mais o que ser feito. O pior é eles ouvindo, de dentro da barraca, durante a próxima madrugada, os gritos apavorantes de Josh pela floresta, implorando por socorro. É um terror que ninguém merece passar, simplesmente porque não tem como reagir de volta; você só pode assistir sem fazer nada. O filme ensina a lição de como assustar somente na indução: não vemos nada que faça pular da poltrona, mas sentimos o desespero com uma facilidade impressionante.

Os pedaços de Josh embrulhados na camisa.

No sétimo e último dia, Heather e Mike já estão completamente esgotados e sem esperanças. As gravações mostram pouco do que aconteceu durante esse último dia: vemos os dois dividindo um último cigarro (encontrado na mochila), Mike comendo uma folha seca... Tudo com poucos diálogos e uma tensa exaustão agonizante dos envolvidos. O documentário fica depressivo e com imagens mais paradas. Eles já não tinham mais esperanças, nem forças para gravar... Não após terem ouvido tantos gritos noite passada. É nessa etapa da gravação que o público fica esperto para avistar alguma suposta bruxa escondida em alguma cena.

O dia vai sendo mostrado brevemente, com várias imagens desacreditadas que enriquece o cansaço dos dois, sempre na perspectiva baixa e apaziguada, geralmente mostrando as copas das árvores ou o sol alaranjado se ponto para mais uma maldita noite de desespero. Quando a escuridão chega novamente, Heather protagoniza a famosa cena desabafando para a câmera, chorando e pedindo que todos perdoem a situação que se meteram (essa cena já foi imitada por inúmeros filmes, desde paródias até comédias como Todo Mundo em Pânico). Quando estão na barraca, ouvem novamente os gritos de Josh. Desta vez, eles resolvem irem atrás pela floresta escura. É brilhante o pavor criado pelo improviso dos próprios atores desconhecidos: não temos nenhuma trilha sonora, somente o silêncio lazarento do desconhecido; as respirações ofegantes ficam em nossas cabeças para sempre. Lembrando que nesse final, Mike registra suas imagens com a câmera colorida e Heather com a preta e branca.

O desabafo emocionante.

Os dois acabam chegando até uma cabana abandonada. Um lugar tenebroso só de pensar. Seguindo os gritos, eles entram no local sem pensar, Mike, inclusive, vai correndo para o andar superior... Eles se separam... Como revelado no começo do filme (durante a entrevista no primeiro dia), existia um assassino de crianças na floresta, e dentro dessa casa vemos inúmeras mãos de crianças marcadas nas paredes. Também ouvimos os gritos de Josh muito mais estridentes, parecido com crianças chorando, isso pode indicar que a suposta Bruxa de Blair é na verdade um homem, que também tem a capacidade de imitar vozes para atrair suas vitimas pela floresta.

Mike entra correndo no porão chamando pelo amigo, de repente, sua câmera cai no chão com um baque, deixando o cômodo silencioso. Não conseguimos ver o que aconteceu com ele. Fico arrepiado quando imagino o drama desgraçado que Heather passou nesses últimos momentos, ao começar chamar por Mike e ninguém responder mais, sendo que estavam juntos há alguns minutos. Ela entra no porão chorando, e berra ao vê-lo encostado na parede do canto, de costas para ela. Heather é golpeada brutalmente, e sua câmera cai no chão. A filmagem termina.

Hush little baby, don't you cry...

Esse final assustador é bastante polêmico, pois muitas pessoas não conseguiram entender. Pois bem, a explicação é bem simples: no começo do filme, uma das pessoas entrevistadas revelou que a bruxa virava as crianças na parede enquanto matava a outra, porque não aguentava os olhares presos nela. Foi exatamente isso que aconteceu com Heather, ao encontrar Mike virado de costas na parede (como uma das crianças) ela é assassinada friamente pelo ser desconhecido. Talvez se tivessem prestado atenção nas lendas que rolavam sobre a floresta de Burkittsville, nunca teriam entrado lá, e nada desse terror insuportável teria acontecido. Hoje em dia, pode existir pessoas que achem o final sem graça (os famosos leite com pera, criados pela franquia Jogos Mortais), mas basta um olhar mais envolvente para ser levado por tudo mostrado em tela; o filme é sim assustador, e sempre vai ser.

A Bruxa de Blair (1999) conseguiu inovar a incrível dinâmica de documentários no cinema, inspirando muitos outros projetos com seu sucesso arrebatador. Apenas um ano depois, em 2000, foi lançado A Bruxa de Blair 2 – O Livro das Sombras, péssimo filme que tentou embarcar no drama do anterior e acabou falhando miseravelmente. Mais recentemente, no ano de 2016, tivemos uma continuação deste filme original, contando a história do irmão de Heather, que entra na floresta para buscar informações da irmã. Enfim, fica aqui outra recomendação indispensável do terror. Se assustar com o desconhecido sempre vai ser uma experiência aconchegante... Ou traumatizante.
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TRAILER DE 1999:

CURIOSIDADES:
1) A velha cabana onde ocorre o final do filme existe de verdade e tinha mais de 200 anos na época das filmagens! O local era para ser demolido por abandono, mas devido ao filme o estado de Maryland mudou de ideia.

2) As filmagens duraram somente 8 dias! O investimento original foi de apenas 35 mil dólares, recebendo o retorno de 250 milhões (PQP) no mundo todo!

3) Para enriquecer o realismo que o filme precisava, a produção deixou os atores por conta própria na floresta afastada, fazendo Josh, Heather e Mike aprenderem sozinhos a manusear câmeras e equipamentos. Durante as noites, a produção assustava os jovens com pedras arremessadas na barraca, gritos de crianças no meio de madrugada e barulho agonizantes. Funcionou, tudo parece real.

4) Reza a lenda que a atriz Heather Donahue portava um canivete na floresta, pois tinha medo de dormir com dois atores desconhecidos.

5) Os dentes encontrados por Heather eram dentes humanos de verdade, fornecidos pelo dentista do diretor Eduardo Sánchez.

6) Somando todos os arquivos, existem 19 horas de filmagens (!!!), que foram encurtador para 90 minutos de filme.

7) Josh caiu de uma colina na floresta e quebrou as lentes da câmera 16mm durante as gravações.

8) O filme foi exibido em mais de 2 mil salas de cinema nos Estados Unidos, simultaneamente. O recorde batido foi maior do que Star Wars – A Ameaça Fantasma.

9) Foi muito polêmico nos cinemas, porque muitas pessoas saiam das salas incomodadas com o visto em tela. A maioria ficava extremamente enjoada pelos rápidos movimentos de câmera e pelo impacto das imagens na tela grande.

10) Em alguns cinemas dos Estados Unidos, durante a bilheteria, funcionários informavam para o público mais sensível (que vomitasse facilmente), para sentarem nas poltronas do corredor. A medida era tomada para em casos de emergência, o azarado conseguisse chegar ao banheiro rapidamente!

11) O roteiro tinha somente 35 páginas e foi entregue aos envolvidos sem nenhuma programação ou ensaio. A confusão durante as filmagens foi tão grande, que os atores realmente estavam perdidos mentalmente e geograficamente.

12) No final das gravações complicadas, os três atores estavam com o psicológico destruído. Queriam água, comida e atendimentos médicos com urgência, porque estavam feridos pelos tombos que levaram na floresta.

13) A estreia no México ocorreu em um cemitério ao ar livre (!!!), decorado com centenas de velas e uma grande tela entre as árvores!

14) Para muitas pessoas, Bruxa de Blair foi o primeiro filme found footage. No caso, alguma projeção que aconteceu de verdade e foi encontrada depois de certo período. Após o sucesso de Atividade Paranormal, o estilo se tornou bastante popular, mas não podemos se esquecer de pérolas como Canibal Holocausto, que também foi gravado desta maneira caseira.

15) Inclusive, a produção já foi acusada de plagiar Canibal Holocausto e The Last Broadcast, lançado um ano antes.

16) A palavra “fuck” é usada 154 vezes durante o filme.

17) O filme teve duas sequências, uma péssima lançada em 2000 (A Bruxa de Blair 2 – O Livro das Sombras) e uma em 2016, intitulada somente Bruxa de Blair.

CONTAGEM DE CORPOS (3):
Josh: desaparecido na floresta, posteriormente encontrado pedaços de sua camisa xadrez, dentes e sua língua.
Mike: é imobilizado e virado para a parede enquanto Heather é atacada.
Heather: golpeada violentamente, derrubando a câmera no chão com um baque (morte offscreen).