AVISO
DE PERIGO: essa
crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por
risco próprio.
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A grande questão é: quem não gosta de
um macabro trash profissional de vez em quando? Quase todos os fãs dos slasher provavelmente
amam esse tipo de produção. Ahh, os anos 80... Uma época que os produtores não
estavam totalmente preocupados com o que iriam mostrar em tela para milhares de
pessoas. Era uma época em que se via de tudo, e se encontrava de tudo. Alguém se
lembra de filmes como O Massacre na Festa do Pijama (1982) e O Rato Humano
(1988)? Parecem produções que você encontraria hoje quando passasse em frente ao
cinema? É claro que não, essas são perolas que somente a década de oitenta pode
proporcionar. Desta vez, a criatividade dos produtores de filmes gore
foi, sem sombra de dúvidas, muito ousada. Re-Animator (1985) é um clássico que
muitos não conhecem, mas precisam fazer isso o mais rápido possível (principalmente
os jovens pupilos cursando Medicina). Quer ver muito sangue e membros decepados em
laboratório? Cabeças, crânios e muitos dedos arrancados? Personagens
dramáticos? Maquiagem de primeira qualidade? Zumbis macabros? Ficção cientifica?!
Re-Animator tem tudo isso e muito mais!
Quem deu o santo pontapé inicial (não
só no filme, como na carreira) foi o diretor Stuart Gordon, hoje em dia muito
conhecido no gênero pelos envolvimentos em O Dentista (1996), Dolls (1987) e
mais uma porrada de filmes recordáveis. A história foi vagamente baseada no
livro Herbert West – Reanimator, clássico de 1931, escrito pelo mestre do
horror literário H. P. Lovecraft (Stuart Gordon também viria a adaptar outro
conto de Lovecraft em 2001, o elogiado Dagon). A trama se mostra esperta ao
focar no tema de “vida após a morte” sem nunca mencionar nenhuma religião; aqui
temos um filme da ciência, isso já se torna bastante visível somente pelo pôster
original lançado na época (a foto acima), que acompanha o raro VHS lançado
pela extinta VTI, onde temos o filme (na versão sem cortes) com uma qualidade
completamente saturada (agregando imensa qualidade na projeção), e legendas
brancas, algo muito difícil de ver em fitas de vídeo, que sempre optaram pelas
fontes amarelas. A produção de Brian Yuzna (veterano conhecido no gênero)
continua linda. Por sorte, para quem não tem a oportunidade de assistir no VHS,
a produção pode ser facilmente encontrada no Youtube com legendas, e ainda na
versão sem cortes!
Re-Animator não é somente um trabalho
sobre a reanimação após a morte, os temas explorados são muito mais profundos, ainda assim, a produção é completamente recheada com o bom e velho humor negro,
que desta vez veio para ficar marcado. Acredite se quiser, em certo momento da
trama, você acompanhará uma cabeça decepada fazendo sexo oral em uma pobre
garota! Isso é somente uma das pérolas vistas por aqui, já que esse filme nos
apresenta o eterno personagem Herbert West (Jeffrey Combs), jovem médico
independente que desenvolve um soro químico especial, conhecido como Reanimator
(substancia verde fluorescente), que consegue trazer os mortos de volta a vida.
Os detalhes que fazem a diferença!
Logo na primeira cena já descobrimos
isso, ao vermos Herbert West na tentativa de reanimar seu antigo professor, o pesquisador
Dr. Gruber, numa Universidade na Suíça. O experimento vai por água abaixo, pois os policiais chegam e o pegam esvaziando uma seringa no cadáver, que se levanta
violentamente com seu rosto explodindo de dentro para fora (!!!). Quando o
corpo volta para o chão, West é acusado pela professora do local: “Você o matou!”.
O médico lança um último olhar dramático para o corpo antes de responder: “Nada
disso! Eu lhe dei vida!”.
Então somos presenteados com o título
Re-Animator em icônicas letras verdes, trazendo uma estética cientifica e
misteriosa na abertura. A trilha sonora do filme é basicamente idêntica à
canção tema de Psicose (1960), inclusive, para os mais desavisados, pode até
parecer um plagio descarado. Enquanto acompanhamos os créditos iniciais, a
edição nos mostra desenhos bizarros (principalmente nas cores verde e roxo) de
anatomias humanas, globos oculares e outras figuras que só servem para realçar
o tema proposto. É uma montagem meio longa, mas acaba se tornando viciante,
pois a trilha sonora contagia e fica na cabeça (clique aqui para ouvir).
A maquiagem dos anos 80 continua excelente!
Essa abertura é suficiente para sabermos
o que vamos encontrar durante os 104 minutos brutos de projeção. O médico/cientista
Herbert West é completamente pirado nas ideias, apesar de possuir uma inteligência
abrangente. O maluco se muda para Arkaham, Massachussets, com o objetivo de “trabalhar”
na Escola de Medicina Miskatonic, local onde vamos acompanhar as melhores cenas
do filme. É um hospital completo (incluindo necrotério), com aquele clima típico
claustrofóbico que quase ninguém suporta. No lugar, conhecemos o médico determinado
Dan Cain (Bruce Abott), o protagonista herói da vez. Como descrever Dan Cain?
Simples: ele é basicamente idêntico ao personagem Ash Williams (interpretado por
Bruce Campbell) na trilogia Evil Dead; um rapaz ingênuo e despreocupado que
acaba sendo envolvido na tragédia involuntariamente, caindo na situação que nem
um pato mole. Cain namora Meg (Barbara Crampton), a mulher que mais vai sofrer
no filme, carregando seus valores emocionais. Meg é filha do Dr. Halsey
(Robert Sampson), o veterano que comanda o hospital.
Herbert West e Dan Cain.
West já chega no local causando:
primeiro ele arranja treta com o Dr. Hill (David Gale), provavelmente o
profissional mais ambicioso da equipe, o qual ficou famoso por criar uma
chapada broca cirúrgica a laser que facilita o procedimento da lobotomia
(sério, esse roteiro é muito criativo); Dr. Hill também defende a teoria que o cérebro
só funciona de 6 a 12 minutos após a morte, informação que não agrada West nem
um pouco, pois o mesmo acredita na reanimação independente do período passado.
Não demora muito para ele conhecer o médico Cain, se aproximando rapidamente do
rapaz, principalmente por dois motivos: Cain é um profissional que possui
problemas para aceitar a morte, isso já se torna visível em sua primeira cena,
onde tenta reanimar uma mulher obesa na maca do hospital, sem sucesso após inúmeras
tentativas; Cain também tem fácil acesso ao necrotério do local, oportunidade
perfeita para West usar os corpos em suas experiências macabras. Como ele se
aproxima do rapaz? Com muita facilidade, pois Cain estava alugando um dos
quartos em sua residência, e assim sendo, o misterioso West se muda logo no
começo do filme, sempre com seus óculos enormes, olhar penetrante e postura admirável.
Administrando a droga.
Quem não gosta do novo inquilino é
Meg, a namorada de Cain. Ela desconfia dos motivos pelo qual o cientista passa
o dia todo trancado no quarto. Cain tenta apaziguar a situação, falando que
ele é um rapaz reservado, mal sabendo o que realmente estava acontecendo ali
dentro.
Em uma das cenas mais intrigantes,
West testa o soro no gato de Meg para reanimá-lo (encontrou o felino morto,
segundo ele), isso no porão da residência altas horas da madrugada. Cain acorda
com gritos assustadores e, ao ir verificar, acaba encontrando o cientista tentando matar o gato novamente, pois o mesmo voltou dos mortos e
agora se encontrava alucinado, agonizando violentamente e quebrando tudo ao redor. Nessa sequência, Cain
tem conhecimentos das verdadeiras intenções de West, principalmente ao ver seu
gato sendo reanimado depois de morrer duas vezes, já com a costela totalmente
deslocada e gritos estarrecedores. “O nascimento sempre é doloroso”, lembra West.
O gato zumbi e suas sete vidas.
Cain é seduzido pelo cientista,
quando o mesmo afirma que caso essa substancia venha a funcionar, eles se
tornariam lendas e viveram para sempre. O soro verde fluorescente nunca deu certo
em humanos, pois West acredita que o corpo da vitima precise estar totalmente
fresco e sem danos maiores; no caso, ele precisa entrar no necrotério para
conseguir algum cadáver em condições, e só Cain poderia ajudá-lo nesse plano
alucinado. Mas então... Alguém realmente acredita que esse plano vai funcionar?
É claro que não.
A noite que eles invadem o necrotério
é um show memorável: ainda em horário de funcionamento, os dois procuram serem discretos,
mas ao reanimarem um cadáver morto há algumas horas, a situação sai de
controle. Desesperados, eles tentam impedir a criatura, mas quem acaba se ferrando
é o veterano do hospital, Dr. Halsey, o pai de Meg, que acaba entrando no
necrotério e tem uma morte linda de se acompanhar. A produção mostra seu
valor, com dedos arrancados explicitamente a dentadas e peitos sendo perfurados
com serra de ossos, tudo isso com aquele sangue vermelho forte que era bastante
usado na época. O cadáver não era fresco o suficiente, por isso não deu certo.
West consegue matar o zumbi (em
uma cena que foi censurada na versão de TV), mas o Dr. Halsey acaba morrendo
violentamente. Agora o filme esquenta, pois West precisava de um corpo fresco,
e é justamente isso que ele tem! Sem o consenso de Cain, ele injeta o soro no
Dr. Halsey, e aproximadamente após 15 segundos da dosagem, ele retorna como um
zumbi completamente doido e grotesco, mas ainda mantendo níveis mínimos de consciência,
como audição e autocontrole.
West detonando sua primeira "cria".
Depois desse e muitos outros
imprevistos, o filme só se torna MUITO mais violento e nojento. Em uma das
cenas mais icônicas (que inclusive ilustra o pôster original), descobrimos que
o ambicioso Dr. Hill (aquele que havia desenvolvido a broca cirúrgica a laser)
estava com planos de roubar a formula de West. Revoltado, o cientista arranca a
cabeça do Dr. Hill com golpes de pá (!!!), para desse jeito, começar a testar
seu soro em membros decepados! Ele reanima a clássica cabeça na bandeja,
conseguindo criar um dos zumbis mais charmosos que o gênero já ostentou. Decapitado,
o sinistro homem de grande estatura fica andando por aí com sua cabeça na
bandeja, somente a enchendo de sangue no fundo para conseguir “respirar”. A
cabeça também parece desenvolver uma grande conexão com o corpo, sendo sua guia
na hora da locomoção. Sem contar tudo isso, o zumbi rouba todas as anotações e
fórmulas de West para injetar a droga em todos os corpos do
necrotério!
Deixando claro que o zumbi não
poderia combinar melhor com outra pessoa fora David Gale, que passa da elegância
para a repulsa, tendo um dos desempenhos mais interessantes do filme. Herbert West
é outro ponto positivo, ele tem um poder profundo quando se refere ao tema “vida
após a morte”, sempre com frases de efeito e situações divertidas, como no
momento em que provoca a overdose em um zumbi, injetando duas enormes seringas
do soro em suas costas. Curiosidade: Jeffrey Combs e Barbara Crampton também
trabalharam com o diretor Stuart Gordon em Do Além (1986), no ano seguinte.
Dr. Hill, o eterno zumbi consciente.
Cain também acaba se revelando um
grande personagem quando entra em ação, me fazendo lembrar muito Bruce Campbell
na franquia Evil Dead (tanto na aparência como no desempenho). Ele é uma
hesitação entre coragem e covardia, se envolvendo nessa história macabra de
maneira involuntária. Ele não suporta a morte, e faz de tudo para dominá-la profissionalmente. Depois da metade do filme, seu relacionamento com Meg
começa a ser mais explorado, com bastantes cenas melodramáticas (aquelas
com frases emocionais e música sentimental ao fundo). Meg, por sinal,
protagoniza a sequência mais perturbadora, quando é sequestrada pelo Dr.
Hill (que sempre foi obcecado por ela) sendo violentada sexualmente! Isso
mesmo... Enquanto vemos a garota amarrada em uma mesa de autópsia
(completamente pelada), a cabeça alucinada do Dr. Hill faz a festa! Leitores,
essa cena é muito bizarra! Lembre-se: nunca assista a esse filme com algum parente
da família, pois vai ser constrangedor! kkkk
O sexo como jamais visto!
Já na versão exibida na TV, essas
cenas quase não existem, tamanho os cortes que a censura determinou. Essa
edição do filme deixa vários momentos no escuro, principalmente no final,
quando West e Cain vão salvar Meg no necrotério, e acabam trombando com uma dúzia
de zumbis; enquanto na versão original temos tudo explicitamente mostrado em
tela (como cabeças esmagadas), na censurada não vemos quase nada (fazendo a
cena ter uma duração broxante). No entanto, na versão censurada foram
adicionadas muitas cenas que deixaram a história mais completa e bem explicada,
mas muitas são desnecessárias.
Os zumbis do Dr. Hill são todos
manipulados. Isso foi possível devido a lobotomia feita pela broca cirúrgica a
laser, entregando uma nova linha de zumbis, muito mais fortes e determinados.
Mesmo com as situações exageras, temos uma violência bem pesada e chocante, desde cabeças
esmagadas, membros decepados e, é claro, muito sangue. Olhem só a foto abaixo: um zumbi decapitado (Dr.Hill) enforcando outro (Dr. Halsey),
que por sua vez, está esmagando uma cabeça com as próprias mãos! Isso, meu
amigos, é o charme de Re-Animator!
Blood! The beautiful blood!
Até mesmo o pai de Meg (Dr. Halsey, transformado
em zumbi) consegue ter deslumbres da realidade e os ajudam a acabar com o vilão
manipulador; isso prova que a droga de West realmente funciona, mas precisa ser
muito mais aprimorada para dar conta de sua premissa. A fórmula química do soro
é o verdadeiro mistério, mas a trama é tão bem coordenada que nem procuramos
se aprofundar nesse assunto, pois já somos ganhos com facilidade depois de tanta violência. No meio desse mar de bizarrices, o que faz a conexão com a realidade é novamente o amor entre
Cain e Meg, algo que muitos filmes usam como apoio para o público geral; é um
sentimento que todos se identificam de alguma maneira, é muito difícil isso
comprometer a obra. Mesmo com toda a fantasia acontecendo, o amor está ali para
nos lembrar da realidade; pode parecer uma estratégia comum hoje em dia, mas
presenciar esse tipo de contexto em um filme como Re-Animator, que abusa do
sadismo e humor negro, é realmente gratificante.
Mais um herói solitário e amargurado.
Os últimos 10 minutos de projeção,
talvez, sejam os melhores. Quando achamos que já havíamos visto de tudo, a
produção no surpreende novamente, com um excelente desfecho que deixa um gancho
definitivo para continuações: no meio de berros, uma cabeça sendo arremessada
na parede do hospital (!!!) e muitas outras coisas grotescas, Cain consegue
fugir com Meg pelos corredores claustrofóbicos do local. Já West é pego pelo que restou do Dr. Hill, e enrolado por suas tripas (!!!), o roteiro nos deixa na dúvida sobre
seu destino, ele pode ter morrido ou não, algo que vamos saber somente no
próximo filme.
Encurralados, Cain é surpreendido
quando um zumbi queimado ataca Meg ao entrarem no elevador. Ele consegue
arrancar o braço da criatura com o machado, mas já era muito tarde. A garganta da garota foi
esmagada em uma triste cena trágica e, desesperado, Cain corre para a sala médica mais
próxima para tentar salva a vida da esposa, já no finalzinho do filme. Quando
não resta mais nenhuma alternativa, ele (portando a maleta de West) prepara uma
grande injeção com o soro maldito, e ao ouvirmos a dramática trilha sonora pela
última vez, acompanhamos o médico amargurado injetando a droga na esposa em uma
atitude drástica, nos deixando preparados para a continuação dessa história macabra!
Um final completamente trágico.
E de fato, tivemos a continuação, só
que somente 5 anos depois, com o fiel A Noiva do Re-Animator (1990), trazendo
os personagens principais de volta, com um enredo muito mais ambicioso e
aprimorado (porém exagerado). De qualquer jeito, esse primeiro filme continua sendo o melhor da
trilogia, pois nos entrega inúmeras cenas que ficam guardadas para sempre na
memória, tudo isso sem usar nenhum tipo de computação gráfica, somente efeitos práticos
e maquiagens mirabolantes enriquecidas por estratégicos “jogos” de câmera. O
filme tem algumas falhas visíveis em certos momentos, principalmente envolvendo
a montagem principal do Dr.Hill, o nosso querido zumbi decapitado, que precisou
de vários “pulos” da produção para conseguir ser retratado com perfeição. O resultado final é ótimo.
Re-Animator (1985) sempre será um
marcante gore, considerado trash por muitos desavisados; isso pode ser verdade,
mas a história é tratada com uma seriedade que nos faz embarcar nesse viajem alucinógena.
Diferente de muitas produções trash, quando terminamos de acompanhar esse
enredo sentimos um grande potencial envolvendo a produção. É uma série de
acontecimentos trágicos, que nas lentes de Stuart Gordon se tornaram uma
mistura incrível de humor negro e sadismo dos mais pesados. Foi o surgimento de
outra lenda moderna.
“DEATH IS JUST THE BEGINNING”
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TRAILER DE 1985:
CONTAGEM DE CORPOS (mais de 10):
Assassino Herbert West:
Zumbi renascido: tem seu busto atravessado por serra de ossos.
Dr. Hill: cabeça decepada com golpes de pá (ouch!)
Assassino Dan Cain:
Zumbis: Cain consegue acabar com alguns zumbis durante a trágica fuga do necrotério, com machadas e até mesmo usando as próprias mãos.
OUTRAS MORTES:
Mulher obesa: vitima natural no hospital.
Gato de Meg: o primeiro ser morto reanimado, com as costelas quebradas e comportamento agressivo (morto duas vezes).
Dr. Hill zumbi: cabeça esmagada e corpo estourado (dando vida aos seus intestinos e tripas).
Dr. Halsey: já transformado em zumbi, é despedaçado.
Zumbi pelado: cabeça esmagada no corredor.
Meg: atacada por um zumbi na fuga do elevador, enforcada até ter a garganta esmagada, e posteriormente reanimada.