segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

O Dentista (1996) - Crítica

AVISO DE PERIGO: essa crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por risco próprio.
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Hoje vou falar sobre um filme que gosto muito, e que tive a oportunidade de assisti-lo pela primeira vez ainda criança, na época das boas fitas VHS; desde então, vivo constantemente procurando a projeção para se comprar nesse formato, mas ela vai ficando cada vez mais rara de ser encontrada em nosso território nacional. Em minha opinião, os filmes de terror dos anos 90 podem ser diferenciados por alguns fatores: muitos filmes conseguiram mantem suas características únicas, como Silêncio dos Inocentes (1991), Bruxa de Blair (1999), várias continuações de franquias também estabeleceram seus padrões, como Brinquedo Assassino 3 (1991) e A Hora do Pesadelo 7 (1994). Só que no finalzinho da década, particularmente em 1996, muitas projeções se deixaram levar pelo sucesso estrondoso da franquia Pânico, produzida pelo mestre Wes Craven; com isso, muitos filmes começaram a seguir a mesma “fórmula-sucesso” para conseguirem se estabelecer no mercado do gênero, como por exemplo, as produções Eu Sei o que Vocês Fizeram no Verão Passado (1997) e Lenda Urbana (1998). Com grande sorte, O Dentista conseguiu se diferenciar de todos esses títulos mencionados, mesmo sendo lançado em 1996, um ano que como mencionei, mudou os rumos do clássico cinema do horror.

O Dentista é um dos melhores filmes do gênero, porém sofre com o fato de ser extremamente desconhecido pelo grande público. Eu, por exemplo, já perdi as contas de quantas vezes assisti a trama tomando uma cerveja, principalmente durante as tardes de sol, uma espécie de ritual que tenho costume de fazer basicamente todos os dias, acompanhando vários filmes que já não consigo viver mais sem. Pois bem, posso afirmar que O Dentista consegue se encaixar perfeitamente nessa premissa: um filme que vai te relaxar, angustiar, e sem dúvidas, fazer você revê-lo várias vezes. Acreditem em mim, gostaria que muito mais pessoas conhecessem essa história simples e macabra, recheada de situações inusitadas.

A direção também é generosa, pois temos o curioso Brian Yuzna fazendo um belo show de drama durante 93 minutos de projeção; Yuzna é altamente conhecido por ter dirigido todos os filmes da franquia Re-Animator (indo de 1985 até 2003), o eterno A Volta dos Mortos-Vivos 3 (1993), Dolls (1987), também trabalhou nos filmes Natal Sangrento e até mesmo produziu um clássico da Sessão da Tarde, Querida Encolhi as Crianças (1989). Aqui o diretor faz novamente um trabalho digno de grande reconhecimento, apresentando uma trama repleta com um humor negro que nos mantem presos e intrigados. Então, vamos começar a nostalgia:

A história gira em torno do ortodontista profissional Dr. Alan Feinstone (Corbin Bernsen, atuando no papel de sua vida), homem ranzinza, resmungão e bem sucedido, que descobre inesperadamente que sua esposa Brooke (Linda Hoffman) está transando com o limpador de piscinas Matt (Michael Stadvec, da franquia Às Vezes Eles Voltam). O dentista acaba surtando com o ocorrido e arranca todos os dentes da esposa, começando a torturar os clientes de sua clinica consagrada, tudo isso enquanto os policiais começam a desconfiar de tais acontecimentos. Essa é uma trama bem simples, não é mesmo? Pois bem, isso é um fator que realmente me agrada muito. Compreendo que as produções atuais são muito mais ambiciosas e milionárias, mas falta essa simplicidade que, em minha opinião, combina perfeitamente com os filmes do gênero. É uma história baseada no cotidiano típico, e que não tem como dar errado, porque isso pode mesmo acontecer!

O perfeccionista Dr. Feinstone.

Um ponto positivo é que o filme não perde tempo para engrenar: somos apresentados com uma breve narração do próprio Dr. Feinstone, em um local completamente branco, como se fosse um hospício. Ele começa a conversar com a gente (no melhor estilo Curtindo a Vida Adoidado), e avisa calmamente que vai contar sua história, e então percebemos que essa introdução é provavelmente o futuro, ou talvez, o final do filme. Sem mais delongas, sua história começa em uma bela tarde de sol, com o Dr. Feinstone se preparando para mais um dia em seu consultório (uma pequena clinica, porém com uma grande reputação). Logo também conhecemos sua linda esposa Brooke, uma mulher que mesmo ouvindo inúmeras reclamações devido ao perfeccionismo do marido, ainda consegue apaziguá-lo, principalmente pelo fato de ser independente. Eles moram em uma bonita mansão “clean”, realmente parecida com os padrões vistos no clássico Laranja Mecânica (1971), e um dos charmes do local é a grande piscina (assim como todas as residências daquela área, sempre floridas e aconchegantes).

Por estarem com problemas no filtro da piscina, o casal conta com a ajuda do técnico Matt, um garanhão bombado que vive se sujando com a lama que é ejetada do filtro (outro fator que Feinstone detesta, pelo seu grande nojo de qualquer tipo de sujeita). Naquela tarde sua vida muda, pois o mesmo descobre que sua esposa o está traindo com o bombadão. E o pior é que ele não descobre por telefone, nem nada do tipo; o charmoso dentista acaba pegando os dois nas preliminares, cheios de risinhos na beira da piscina. Matt, por sinal, ainda entrega a cereja do bolo, no momento em que suja a pele extremamente branca da mulher com lama, enquanto a mesma gargalha assanhada; tudo isso mostrado do ponto de vista do Dr. Feinstone, que observa a cena em uma espécie de slow motion, pela porta-balcão da residência. Apesar do choque, Feinstone se demonstra atordoado e atormentado com o que presencia, e não demora muito para uma vingança macabra surgir em sua cabeça.

Matt, o garanhão limpador de piscina.

Porém, o dentista vai trabalhar normalmente naquele dia (armado com uma pistola, por sinal), só que as coisas só vão piorando com o passar das horas: a clinica está repleta com clientes excêntricos, o folgado fiscal pretende dar uma passada pelo local para verificar o motivo dos sonegamentos no imposto, e ainda por cima os funcionários começam a desconfiar que Feinstone esteja agredindo e abusando de seus clientes! Tudo isso enquanto é apedrejado psicologicamente com o fato de sua linda esposa estar transando com o garanhão da vizinhança, dentro da sua própria casa!

Os clientes de Feinstone são outro ponto curioso da película, pois são todos únicos e fáceis de serem lembrados: temos o garotinho, Jodie Sanders, que está indo em sua primeira consulta, temos também Sarah, uma adolescente contida que está para retirar o aparelho dental (grande conquista para ela), fora outros personagens que só esquentam a trama, como a lindíssima aspirante a modelo April Reign (Christa Sauls) e seu empresário meia boca, Steve Landers, curiosamente interpretado por Mark Rufallo (ele mesmo, o Hulk dos Vingadores). Todos esses pacientes tem seu tempo de trama, trazendo boas intrigas e reviravoltas para a história.

Passar mal no dentista é ficha.

Primeiro o Dr. Feinstone acaba tendo visões enquanto “trabalhava” na boca do garotinho Jodie, e acaba tremendo a mão drasticamente, abrindo um corte na gengiva que imediatamente faz o lindo sangue surgir; obviamente a mãe do garotinho fica contra o dentista e vai embora de cara fechada. Logo em seguida é a vez da charmosa April, que é basicamente ludibriada após quase ser abusada pelo dentista (durante a consulta, com a garota sedada, Feinstone teve novamente visões de sua esposa, e quase estuprou a paciente). Ainda temos uma bela cena em que o empresário interpretado por Rufallo acerta um baita soco no Dr.Feinstone (!!!), na frente de todo mundo na recepção, após desconfiar que sua pupila foi abusada com graciosidade!

E como se tudo isso já não fosse motivo para surtar, suas funcionárias começam a desconfiar das atitudes do “profissional”, principalmente a ousada Jessica (Molly Hagan), que encontra uma meia calça feminina após a consulta de April, imediatamente desconfiando do assédio. Também temos a assistente dedicada Karen (Patty Toy) e a recepcionista gorda inspirada chamada Candy (Jan Hoag), que vive fofocando com os pacientes.

Uma dinâmica perturbadora.

O Dr. Feinstone também descobre que Matt não esta transando apenas com a sua esposa, pois a vizinha safadinha Paula Roberts (Lise Simms) também gostou do “charme bruto” do limpador de piscinas, e vive o convidando para algumas “escapadas” em sua residência. Feinstone não a mata, porém durante uma consulta agendada de última hora, ele propositalmente acaba perfurando muito seu dente enquanto fazia uma obturação, destruindo toda a estrutura. E falando sério, duvido que alguém nunca tenha sentido medo de ir ao dentista, não é mesmo? Somente o barulho da maquininha já chega a ser agonizante, e esse fato é bem destacado aqui, como uma forma de paranoia. Eles souberam deixar essa agonia bem evidente, a produção fez a lição de casa direitinho.

Outro detalhe interessante é que cada sala do consultório possui uma temática diferente: uma delas imita o clima de selva, outra é decorada como se estivesse flutuando no céu, entre as nuvens; o Dr. Feinstone conta que desse jeito, os pacientes se sentiam muito mais tranquilo no ambiente claustrofóbico, e realmente funciona, pois todos parecem se encantar com a ambição por trás do homem ranzinza. O dentista sabe ter carisma nas horas certas, possuindo um sorriso de galã fácil de conquistar. A iluminação do filme também transmite certo brilho nas sequências do consultório, tornando o local aconchegante.

Sempre concentrado.

Mas o filme realmente se torna uma pérola lá para seus 40 minutos, porque naquela noite, para comemorar o aniversário de casamento, Feinstone e Brooke planejam uma noite perfeita, envolvendo um jantar e ida à ópera. Marcados de se encontrarem no consultório, ela fica simplesmente deslumbrante, usando um elegante vestido preto impecável, no que será uma das cenas mais agonizantes do filme, e talvez, em qualquer outra produção que aborda o mesmo assunto (interessante que enquanto ela arruma sua maquiagem, ele arruma suas ferramentas cirúrgicas). Quando se encontram, Feinstone decide lhe mostrar a nova sala que está construindo no consultório (a mais ambiciosa que ele já havia feito, um cômodo totalmente decorado com estilo clássico e referência as óperas). Mas como todos devem imaginar, era tudo uma armadilha... Depois de amarrá-la e sedá-la, o dentista perturbado consegue sua vingança, basicamente arrancando todos os dentes da esposa com um alicate, e posteriormente cortando sua língua em dois pedaços (tudo isso ao som de música clássica. Simplesmente lindo).

Essa pagou pelos pecados.

Todas as cenas de tortura são ótimas e explicitas (isso mesmo, vemos os dentes serem arrancados sem cortes desnecessários) e o filme só vai melhorando; Feinstone poderia ter assassinado sua mulher, mas ele realmente queria vê-la sofrer até não aguentar mais. Na manhã seguinte, ele coloca a esposa deitada em uma das cadeiras perto da piscina, somente de biquíni e com um enorme chapéu tampando seu rosto (sem contar que está drogada). Essa cena é memorável, pois um pouco mais tarde o técnico Matt chega para cuidar do filtro quebrado, e acaba encontrando um pedaço da língua de Brooke ao limpar a piscina com aquelas peneiras. Após remover o chapéu de seu rosto, podemos ver perfeitamente como a bonita moça ficou: sua boca virou uma coisa bizarra e grotesca, não tem muito que explicar, é eficaz em agonizar nosso subconsciente.

O resultado de uma noite estranha.

Matt acaba sendo assassinado com muitas facadas, na beira da piscina, em outra bela sequência. O que o Dr. Feinstone não contava, era que paralelamente, a polícia estava começando a investigar sua vida, principalmente uma dupla composta pelo agente com dor de dente Gibbs (Ken Foree) e o detetive “Sunshine”, dois oficiais inspirados que começam a colar em nosso dentista após encontrarem o cachorro da vizinha morto com tiros (o único que possui arma legalizada na vizinhança é o dentista, tornando ele o principal suspeito). Sem se preocupar com suas atitudes, ele mantem sua mulher amordaçada e amarrada na cama, e vai trabalhar como se nada tivesse acontecido; é agora que o body count aumenta para valer.

Sem contar as funcionárias assassinadas, Feinstone protagoniza uma das cenas mais perturbadas do filme, ao torturar o corrupto fiscal de emposto Marvin Goldblum (Earl Boen, famoso por ter atuado na franquia O Exterminador do Futuro), que vivia indo até o consultório para encher o saco e ter consultas gratuitas. O dentista tira parte da consciência do velho com o gás anestésico, e faz a festa com sua boca (cortando, rasgando, forçando as mandíbulas ao máximo com aparelhos cirúrgicos e brocas, perfurando sua gengiva com uma furadeira)... Um gore lindo, totalmente realçado pela ótima atuação de Corbin Bernsen, trazendo um assassino inspirado e sádico, realmente nos fazendo se sentir cúmplices de um crime horroroso, ao conseguirmos entender suas motivações sangrentas.

A melhor morte do filme.

Para quem gosta de se contorcer na poltrona (assim como em Jogos Mortais), esse filme é uma boa escolha. Como sempre temos muitos clichês, como por exemplo, o agente Gibbs levando o liquido vermelho até a boca somente para ter certeza que é sangue, e outras coisas inúteis. Por fim, os policiais conseguem encontrar a esposa do dentista amarrada em um dos quartos da residência, e após tentar torturar a doce Sarah (depois de tirar o aparelho dental) e causar um tumulto em sua sala de aula na faculdade, o Dr. Feinstone é finalmente pego pela polícia antes de fazer novas vitimas; perturbado com suas visões, ele começa a ser afetado pelos atos que cometeu, principalmente envolvendo sua esposa.

O final do filme é muito bom, quando o visualizamos tendo visões de Brooke com e sem os dentes, rindo e gritando, enquanto supostamente canta ópera. Lembram do começo do filme? Aquele “local completamente branco” que se parece com um hospício? Pois bem, voltamos para esse lugar, e o Dr. Feinstone começa sua narração final, terminando de contar sua história sangrenta. Percebemos que ele se tornou agonizado com a profissão que seguia, isso é explicado logo nos próximos momentos: após ser colocado em uma camisa de força, ele é levado até um consultório dentro do hospício, e para fechar com chave de ouro, a dentista é ninguém menos que sua esposa (completamente desdentada, em uma cena tensa), com uma gravação turva no melhor estilo 16mm. É um ótimo final.

Macabro... Simplesmente macabro!

Dois anos depois, em 1998, foi lançado O Dentista 2, mantendo o mesmo padrão e seguindo fielmente essa produção aqui (futuramente estarei publicando a análise completa). De um jeito ou de outro, O Dentista (1996) é um ótimo drama com requintes dos bons slashers movies e gore explicito. Introduzido ao mundo em um ano que o cinema do terror estava sendo reformulado, conseguimos ter vários fatores que o diferem de muitos outros. Com um charme clássico, boas atuações e cenas agonizantes, fica aqui mais uma recomendação do Portal Tartárico, jogando mais um alerta para a humanidade sobre um filme que pode ser revisto em qualquer hora. Foram essas produções que fizeram as coisas valerem a pena, mesmo não sendo tão conhecidas. Uma época para se sentir saudades. E cuidado com os dentistas sob pressões, eles podem não ser tão confiáveis...
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TRAILER DE 1996:

CONTAGEM DE CORPOS (5):
Assassino Alan Feinstone:
Matt: esfaqueado inúmeras vezes.
Jessica: enforcada com meia calça.
Goldblum: torturado até a morte (boca estourada).
Karen: bolhas de ar injetadas no cérebro por seringa.
OUTRAS MORTES:
Cachorro de Paula: baleado ao tentar atacar.

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