AVISO
DE PERIGO: essa
crítica é detalhada e contém SPOILERS, portanto se ainda não conferiu o filme, leia por
risco próprio.
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A Mosca (1986) é um filme que merece
total respeito. Para quem aprova uma boa ficção cientifica combinada com terror
gore, fica aqui uma excelente dica para se deliciar tomando algumas cervejas.
Um dos fatores mais notáveis do filme é sua maquiagem extremamente
impressionante, provavelmente uma das melhores já produzidas na década de 80.
Pelo título (do original The Fly), muitos devem pensar se tratar de alguma
projeção trash vagabunda e mal produzida; muito pelo contrário, A Mosca é um
filme profissional e completamente inteligente em seus argumentos, nos
apresentando uma história de decadência, romance e alto envolvimento. Na
realidade, o filme é um remake do clássico trash A Mosca da Cabeça Branca
lançado em 1958, mas agora com uma premissa mais “realista” e dramática. São
inúmeros os filmes com animais assassinos, passando desde crocodilos, ratos,
baratas, tubarões, polvos, abelhas e até mesmo rãs; o terror fez questão de
dissecar basicamente tudo que o mundo tem para oferecer. Se tiver qualquer
potencial (ou não), já é o suficiente para se produzir um filme. No entanto, em
A Mosca as coisas são um pouco diferente.
Agora, por que uma mosca? Porque
talvez, a mosca seja um dos insetos mais desgraçados que existe. Elas estão em
todos os lugares: atrapalham nosso churrasco, tomam nossa sopa e vivem
pentelhando por aí. Sem contar que são extremamente difíceis de matar, não há
sapato nem taco de baseball que facilite a situação. Essa ideia é bem explorada no filme, mas não pense que teremos uma mosca assassina fazendo vitimas pela
cidade... Não mesmo! Aqui a proposta é outra, e a história gira em torno da
triste tragédia que ocorre com o físico Seth Brundle, que estava desenvolvendo
uma maquina de teletransporte. Quando decide testar o aparelho, uma mosca entra
na máquina junto, e seus corpos acabam se fundindo em um só. É bizarro e lindo.
Reza a lenda que o primeiro diretor
cogitado para o trampo era o surreal Tim Burton, mas quem recebeu o bastão foi outro nome de
peso: David Gronenberg, que já produziu uma grande quantidade de pérolas e
bombas, como Jason X (2001), Na Hora da Zona Morta, o clássico Videodrome em
1983, Calafrios (1975) e muitos outros. O diretor é meio chapado, por isso
temos ótimas cenas que trazem medo, interesse e repulsa. Assim como Donnie
Darko (2001) e A Volta dos Mortos Vivos 3 (1993), o esqueleto da história se
baseia em uma história de amor trágica, que cruza a barreiras das superações e
reviravoltas.
Aquele simbolismo inexplicável.
Pois bem, o físico solitário Seth Brundle
(interpretado pelo ótimo Jeff Goldblum, conhecido por trabalhar nos estrondosos Jurassic
Park e Independence Day) é um rapaz dedicado, afetado, caricato (no melhor
estilo Sheldon Cooper) e cheio de manias bizarras, como por exemplo, ter inúmeros
pares idênticos de roupas, para poucas seus pensamentos sobre “o que vestir”.
Goldblum consegue deixar o personagem extremamente interessante (principalmente na lenta transformação em mosca) e talvez essa seja seu melhor
desempenho; alto e duro, com cabelão anos 80 e feições do Smeagol, orelhudo e
de fina dicção. Mas esse homem estava prestes a ter sua vida afetada, no momento
em que conhece a linda jornalista Veronica (Geena Davis, toda charmosa) durante um evento. No
começo, Veronica se demonstra muito interessada no trabalho de Seth, mas a
ambição se torna um estranho romance, que será muito bem explorado nos 96
minutos de filme. A paixão nos mostra a personalidade oculta de Seth, deixando
o lado bem portado para trás e desenvolvendo atitudes bizarras (principalmente
devido aos ciúmes). Destaque para a ótima trilha sonora misteriosa e dramática (clique aqui para ouvir).
Olha só a cara do rapaz!
Seth está trabalhando em um projeto
particular, um sistema de teletransporte que “vai mudar o mundo”, segundo ele.
O conceito é simples: são duas capsulas pretas em formato oval, juntas formam
uma entrada e saída. Você coloca algum objeto dentro (a meia calça de Veronica,
no caso) e ela se teletransporta de uma capsula para a outra. No entanto, Seth
não consegue fazer esse processo com objetos vivos, somente com matéria morta.
Isso se torna evidente após o mesmo fazer o teste em um macaco babuíno, literalmente
virando o animal do avesso em uma mistura grotesca de carne e sangue (um
processo tão rápido que o macaco ainda continua vivo por alguns instantes,
agonizando de uma forma cruel).
Deixando claro que Seth odeia os
meios de transporte usados pela humanidade, principalmente o carro; ele sempre
fica enjoado quando anda, e diz que na infância, vomitava até mesmo quando andava de
velotrol kkkkk. As capsulas de teletransporte são icônicas (existe uma terceira
também, que não funciona), elas possuem portas eletrônicas, e uma fonte de
energia ligada no enorme computador do físico, o qual serve para os comandos.
Dentro da capsula, o chão é iluminado com forte densidade branca; essa estética
(e a fumaça ambiente) lembram muito Alien – O Oitavo Passageiro (1979), sem
contar que Seth testa o teletransporte com a mesma pose que o T-800 usava para
viajar no tempo em O Exterminador do Futuro (1984), e o barulho que a capsula
emite é idêntico ao som inconfundível do DeLorean em De Volta para o Futuro (1985).
O resultado de teletransportar um babuíno.
Seu relacionamento com Veronica é
algo bem construído, indo da casualidade maravilhosa até uma dependência preocupante.
A mulher é uma dádiva na vida de Seth, no entanto, com o passar do tempo ele
começa a transmitir perigo; sua profissão é tudo o que mais gosta, e o rapaz realmente
faz de tudo para progredir, até mesmo se colocando em risco por um “bem maior”.
Como já mencionei, Veronica é uma jornalista
dedicada e ambiciosa; contudo, seu patrão é seu ex-marido Stathis (John Getz),
um pé no saco, folgado e intrometido. Obviamente, ele usa sua intimidade com ela para ter vantagens no trabalho, e até mesmo na vida pessoal. Por incrível
que pareça, Stathis não é somente um personagem desgraçado de chato, pois ele
terá um grand finale de ótimo desempenho, lá pelas últimas cenas do filme. Muitas produções utilizam essa estratégia.
Veronica, a garota especial.
Seth continua procurando a perfeição
em seu telepod (o nome original das capsulas ovais), abrangendo seu
conhecimento sobre a carne para conseguir teletransportar objetos vivos. Ele
inclusive faz isso com belos pedaços de bife, e depois pede para Veronica
experimentar, procurando descobrir alguma alteração no gosto e essência. Mas
tudo vai por água abaixo em uma noite, quando ela sai e Seth fica extremamente
desapontado pelos ciúmes. Depois de ficar bêbado, ele testa o teletransporte em
si próprio, sem perceber que uma mosca-doméstica estava junta no casulo. Seu
código genético é alterado imediatamente, mas o computador não acusa nenhum
erro; a partir de agora o filme realmente esquenta, pois as cenas
grotescas estão apenas começando.
Seth bêbado dentro do telepod.
A transformação em mosca talvez seja
o ponto mais forte do filme. É lenta, nojenta e perturbada. No começo, o físico
fica extremamente forte, conseguindo fazer proezas impossíveis para qualquer
humano. Ele fica bombado e ágil, mas a decadência estava apenas começando. Aos
poucos, pelos grossos começam a nascer em suas costas, e sua pele começa a
enrugar drasticamente; são cenas medonhas, com unhas saindo, dentes caindo no
teclado do computador, vômitos aleatórios e outras bizarrices. A maquiagem é
tenebrosa de boa, foda pra caralho, desde anatomia aos detalhes (inclusive, o
filme levou o Oscar nessa categoria). Não é porque estamos em uma época
tecnológica que basta adicionar efeitos de última geração para estar tudo
certo. Às vezes se esforçam nos efeitos especiais, mas as atuações não condizem
com o criado. Em A Mosca, quase tudo funciona de seu jeito.
Homem Aranha em um dia ruim.
A personalidade do físico muda muito,
ele começa a se afastar de Veronica, criando ideias em sua cabeça de coisas inexistentes,
novamente devido ao ciúme. Até mesmo arranja uma prostituta (Tawny, Joy Boushel) e tem uma noitada
das boas, utilizando basicamente o seu novo metabolismo de forma tenebrosa. As
etapas da transformação são bem exploradas, desde queda de cabelo, tom asqueroso,
membros alterados (começando pelas mãos) e voz pífia. Para se alimentar, Seth
desenvolve uma espécie de ácido que ele vomita para digerir seus alimentos; é
uma coisa extremamente nojenta, principalmente em uma sequência que está
conversando com Veronica e acaba cuspindo esse ácido espumante involuntariamente. A
trilha sonora enriquece o filme, fazendo uma breve referência aos antigos
filmes da Universal, como Frankenstein; é a clássica premissa do surgimento de
um monstro, não somente no quesito aparência, mas principalmente no psicológico.
Veronica é outro ponto muito forte:
ela é dedicada, totalmente independente e tem uma aparência que lembra muito
Sigourney Weaver (uma beleza única e cativante). Mesmo com todos os vacilos de
Seth, ela se mantem ao seu lado na esperança de ajudá-lo, mas o rapaz começa a
aceitar sua transformação de uma forma impressionante; ele pensa ser um modelo único
e de alto valor, realmente não percebendo o mal que tudo aquilo estava trazendo
em sua vida. Ele queria mudar o mundo todo, mas acabou mudando somente o dele.
No entanto, seu verdadeiro apoio é Veronica, só que isso não dura por muito
tempo.
Isso é muito estranho. Muito.
Seth desenvolve reações estranhas,
como escalar paredes e tetos, andar como um corcunda e se auto pesquisar. E
quando tudo parecia estar no fundo do poço, Veronica descobre estar grávida de
Seth (!!!), basicamente fodendo a porra toda! O filme toca no tema aborto de
uma maneira bem marcante (fator que causaria muitas polêmicas nos dias atuais).
Ela fica perturbada com a ideia que a criança pode nascer geneticamente
modificada (pois quando transaram, Seth já havia se teletransportado com a
mosca), ou deformada no geral. Com o pensamento do aborto em mente, Veronica
até nos presenteia com um bizarro pesadelo enquanto dormia, ao sonhar estar no
parto (natural) e se ver gerando uma espécie de minhoca gigante que mais parece
ter saído de algum filme Troma. É uma cena completamente absurda e macabra,
entregando um tom polêmico na obra, principalmente envolvendo o delicado tema “aborto”.
Ela realmente cogita fazer isso o mais rápido possível, mas os eventos finais
do filme acabar chegando mais rápido, colocando todos em risco.
Só imagina isso no seu quarto. #Brundlefly
De fato, não é uma história feliz.
Toda essa tragédia é realçada já no finalzinho, quando o enredo mostra que o
ex-marido de Veronica, o pentelho Stathis, não é tão filho da puta assim.
Enfim, no estágio final da transformação de Seth, o mesmo perde totalmente sua
pele, virando literalmente uma mosca do tamanha humano, totalmente desengonçada
e grotesca. Stathis protege Veronica do monstro, mas acaba pagando muito caro
por isso: a mosca vomita aquele ácido na mão e nos pés do jornalista chefe,
decompondo seus membros lentamente em outra cena marcante. Novamente lembrando
que a maquiagem não peca nunca, sempre explicita e sangrenta; a enorme mosca
também é muito bem feita, e possui movimentos lentos para disfarçar a produção
(parecido com os movimentos do Xenomorfo em Alien – O Oitavo Passageiro). Não
sei porque, mas a atmosfera desse filme também me lembra muito o doido A Experiência (1995).
Eles conseguem prender a criatura
dentro de um telepod, e ao tentar fugir quebrando o vidro, a mosca é
teletransportada pela metade, gerando seu repartimento ao meio (eita porra!). É
nesse momento que Veronica prova ser a famosa “fofa foda”, pegando uma escopeta
(em uma cena simplesmente dramática, aonde a trilha sonora chega ao seu auge),
e descarregando um tiro de misericórdia contra sua própria vontade,
arrebentando a cabeça do inseto gigante que se arrastava pelo chão do laboratório.
Um final bem triste.
Esse final tem uma semelhança muito
grande com o desfecho de A Morte Pede Carona (também lançado no mesmo ano, 1986), no
qual o bonzinho precisa destruir o inimigo de uma vez por todas, com o qual
também está emocionalmente envolvido; destruir e se livrar de um monstro
interior. No entanto, com esse ato, se tornando o próprio monstro assassino no consciente.
Veronica precisou matar quem ela amava (no fato, aquilo já não era mais o Seth,
e sim um animal desgraçado e sem propósito algum). Moscas enchem o saco e
precisam ser exterminadas quase toda hora, nesse caso, com um tiro de escopeta. Curiosidade: o diretor David Gronenberg faz uma ponta como um ginecologista.
Não são todos que sabem, mas o filme
teve uma continuação lançada em 1988, narrando, dessa vez, a história do filho
de Seth. A Mosca (1986) pode ser considerado um trash de alta produção, trazendo o
melhor desemprenho de Jeff Goldblum e uma grande surpresa nos efeitos práticos,
misturando novamente a bela combinação de terror com ficção cientifica.
Acreditem se quiserem, enquanto eu escrevia essa análise, fui incomodado por
uma maldita mosca durante alguns minutos... Senti falta da escopeta que
Veronica usou... Pois não consegui matar a lazarenta!
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TRAILER DE 1986:
CONTAGEM DE CORPOS (2):
“Assassina” Veronica Quaife:
Seth Brundle "Brundlefly": já transformado em mosca, tem a cabeça estourada por tiro de escopeta.
OUTRAS MORTES:
Macaco babuíno: virado do avesso ao tentar ser teletransportado.